31.7.07

272

vivemos este sonho estranho de que há liberdade no mundo

e por todos os lados compromissos soterram-nos

há muito que não sei para onde ir

nem para onde me levam

o mais curioso é isto

somos sempre movimentados

somos peças de um jogo

somos alucinações de nossas próprias mentes

defecamos verdades até locupletarmos todos os recintos e não sobrar nem meio milésimo de espaço para um pensamento sincero

o que aliás não faço idéia do que seja

tudo que sei é que nunca posso confiar em ninguém

e que é difícil conviver comigo sem poder confiar em mim

mas é a vida

também é a morte

os laços são todos circunstanciais

é a luta pelo alimento

dia após dia

mesmo crendo não valer a pena

é só o que sabemos fazer

viver ou morrer

morrer de medo ou de pavor

30.7.07

271

há dias de tantos sabores

não sei bem quais

nasci sem paladar

tudo a meu ver fica assim

um pouco com cara de mim

aqui passa muito tempo entre um momento e outro

todos estão certos de que rezando viverão

infinito é só o nascer e morrer

as tristezas terminam

as alegrias também

permanecemos nós

dormindo de olhos abertos

dizendo-nos conscientes

contra a ignorância absoluta não há argumento

ela se esconde atrás de todos os subterfúgios

na maioria das vezes se usa da fé

29.7.07

270

nossa consciência devia ser desligada no domingo

deveríamos nos entreter apenas com o esquecimento de que domingo é o último dia

dentre todos

como se nosso último dia fosse cair num domingo

conquista da classe trabalhadora

que fez o bíblico sábado perder seu sabor de fim

tudo acaba depois

quando tudo começaria

quando tudo que fosse passado já deveria estar esquecido

mas sobrou este crédito

dado sei lá por quem

esta maldição prorrogada

este capricho de deus ou do nada

um dia de graça

para ficarmos

simplesmente ficarmos

parados

pensando

talvez

temos mais um dia

que fazer com esta bosta de dia que não serve para nada

não serve para acabar com o mundo nem para começar um novo

esta coisa que não existe e que entretanto há

domingo

28.7.07

269

cada vez que saio à rua

cada vez que estou em casa

sempre é o lugar errado

a forma errada

a presença imprópria

olhares que não se deixam ver

movimentos de que não participo

senão como micróbio decompositor

é o que faço quando sinto este sono

este impulso de abandonar tudo e de não ter que tolerar conseqüências

estar em tudo e nada sentir

tudo se diluindo nesta solução de lágrimas e risos

convertendo-se em soluços e pó

em três ou quatro corações que sentirão minha falta

nada muito além

esta coisa interina

quanto vai durar a eternidade

tudo é só um esboço

nada toquei de divino

tudo factício

mero aspecto

tudo sem intenção e proposital

27.7.07

268

apesar do tempo a vida parece em suspenso

tudo pesa principalmente o sol

há uma forte sensação de que não existe ar na atmosfera

de que nada mais frio que o núcleo do sol

todos dormem entre suores

escorregando em seus próprios fluidos

sem encontrar lugar para as coisas

só subsistir

tolo pretensioso pensante

quando nada

nada de fato

nos passa pela mente

ser feliz é dessas coisas de que ouvimos falar

o mundo está louco para nos chutar fora

e deve ter suas razões

26.7.07

267

como é bom o fim de certas coisas

da existência ainda que virtual da inexistência

poder dizer acabou

simplesmente

acabou mesmo

nunca mais quero ver aquilo

o chão firme o fim ou ao menos o intervalo do pesadelo

não que nunca mais lembrarei

não que nunca mais encontrarei a mim o monstro

mas agora estou até que de bem comigo

quase sem raiva

fica a pergunta o que farei com isto

25.7.07

266

sinto-me meio fora de mim

um monte de coisas acontece

já nem sei mais ligar as letras

que dizer das palavras

este monte de símbolos confuso

que dizer do que me mostram os olhos

tudo finge estar no lugar

tudo simula uma espécie de normalidade

que não se encontra em lugar algum

que não se pode conceber em sã consciência

e tudo devia assustar-me

sinto-me tão sóbrio que esta sobriedade me assusta

o desejo é a chave-mestra da loucura

o consumo uma droga que permite desejar mais

só estou indo embora de mim

outra vez

a vida passa

quarenta e uns

dizem que nem é muito

pesa entretanto

ver-se diante de uma muralha

que brinca de esconde-esconde

24.7.07

265

viver o dia inventando desculpas e dizendo a mim mesmo que só não fui mais porque não quis

nada disso silencia a vaidade ferida

que aqui dentro urra voraz

sequiosa de homenagens

de poder

de submissão

um automóvel de luxo de cor preta com uma chapa preta e um motorista de roupa preta conduzindo um camarada de consciência negra

digam o que quiserem

digam que não vale nem um pouco a pena

isso é poder

bastante para embriagar

para fazer muito nego aceitar engolir muito sapo pela vida afora

somente pelas deferências e pelos elevadores exclusivos

somente para ser outro conviva

no banquete em que se deglutem como finas iguarias os anseios da gentalha

e se ri

a dentes escancarados

como sói o poder

23.7.07

264

hoje acordei com toneladas de sono

que arrastei pelo dia afora

tudo sucedia tão rápido

e parecia nunca acabar

minha mente logo abarrotou-se de requerimentos

arquivados sem resposta não sei onde

onde ficam também arquivadas as reclamações pela falta de resposta aos requerimentos

eu não dormia

dormir era impraticável

simplesmente não estava desperto

e tudo parecia ter muito silêncio

tudo trazia

mesmo que oculto

um luto

enquanto eu pesaroso caminhava de um lado para outro

o dia pesava toneladas

eu não me importava de não respirar

era um dia afinal de contas

era apenas eu

desejando

desejando como um fraco

que minha fraqueza fosse reconhecida

que eu fosse dispensado dos desafios

que pudesse voltar à cama de onde nunca devia ter saído

apenas

22.7.07

263

um dia algum infeliz cismou que para justificar sua existência o homem devia trabalhar

pronto instituiu-se a feitoria

a posição daquele cujo trabalho é ver se os outros trabalham

no outro extremo a multidão que se arrumasse

criaram-se assim as duas classes básicas da civilização humana

a dos que mandam e a dos que são chicoteados

a dos que pensam e a dos esquecidos

a história só se faz por meio dos primeiros

os outros só aparecem quando a estupidez atinge cumeeiras

no mais inexistimos

ainda buscamos o modelo correto

rogamos por quem nos diga para onde ir

torcemos para ser a geração que descobre a vida eterna

qualquer merda que nos tire deste eterno aparvalhamento

21.7.07

262

não acredito em muita coisa

inclusive em minha falta de crença

mal explicando

fé é ter certeza de que o que não se percebe há

sem que se possa explicar por quê

sem que se deva explicar por quê

o artigo de fé

explicado

deixa de requerer fé

basta demonstrá-lo

a fé talvez seja a coisa mais bonita do homem

mas como é fácil ser chato quando se tem fé

ou pior quando se quer demonstrar fé

fé não casa com demonstração

fé não se comunica pelos meios ou por boca-a-boca

ela é o mais estranho dos fatos

o bizarro

no ser bizarro que somos quando mais normais queremos parecer

20.7.07

261

vimos aqui e esperamos

e esperamos e esperamos e esperamos

vez ou outra queixamo-nos da espera

não há o que fazer

espera mané

bom já que é assim

e às vezes para uns a espera acaba antes da vida

vem o que esperavam e ficam doravante com medo de perder o que não possuíam

ou de que o mundo acabe quando devia começar

no fim da conta

grande novidade

parece que ninguém que ser um pária

dentro de si mesmo

as entranhas reviradas ante a possível paz

mais chata que música de culto pentecostal

não quero dormir para não ter de acordar

se tudo não pode ser inteiramente bom

então tudo é inteiramente mau

sou nada mais que um ponto de vista parado na esquina

aguardando um sinal de boa fortuna

19.7.07

260

já houve manhãs piores

embora toda manhã seja péssima

o despertador lá lembrando-nos que ainda que deus não ajude quem cedo madruga nem por isso ele despertador deixará de gritar-nos que um bom dia de tormentos começa com um sono abortado

e daí em diante é aquela velha coisa

mesmo acontecendo algo que nunca

dentro da gente é tudo do mesmo

basta viver alguns anos para saber o que não somos

amor e ódio alegria e tristeza

violência e carinho atividade e ócio

não há nada muito além disso

depois de algum tempo aprende-se a administrar o tédio e a viver com medo

e deus é tudo que nos favorece

mesmo que o resto do mundo se foda

e no frescor da manhã há o despertador

o corpo fora da cama e o espírito sabe deus onde

umas droguinhas lícitas só para dar o tom

e sair à rua e ver o monte de gente estranha que lá transita

e ainda ser capaz de ter dúvida sobre ser um deles

18.7.07

259

um desejo insatisfeito é como um líquido corrosivo pingando no meio do ser

rompendo tecidos

pondo em contato humores antagônicos

tirando-nos o governo de nós

este lobo faminto a uivar-nos no peito

esta harpia de garras vorazes a retalhar nossa sanidade

a vida que se vive

colecionando-se abortos de satisfações

a vida que nos cabe

bem ou mal

o prazer diminuto de ver o sucesso alheio

a dor dilacerante de morrer sem ter tido tudo que se quis

levar menos do que se trouxe

aqui despender toda uma vida

devia haver uma lei da natureza que dissesse

só terá desejos quem possa satisfazê-los

17.7.07

258

deus sabe tudo que acontece em minha vida

ao que me conste ele também deve ser a causa de tudo

e o fim

e o meio e o antes e o depois

e nós somos nada porque ele é tudo

só que o ferro é aqui na boneca

brincadeira sem graça

obrigatória

unilateral

andar cego entre abismos

talvez tudo isso seja só a imaginação do criador

como quando nos divertimos em andar a mil por hora num automóvel apesar dos insetos que morrem esmagados no pára-brisa

na vida sempre algo está morrendo

melhor então que sejam coisinhas que tanto fazem se defuntas ou viventes

a felicidade aqui é assim

parece que tudo se completa e se compensa na mente do deus que idealiza toda esta balbúrdia

mas eu sou só parte do processo

e não sinto a menor comunhão com o resto dos que atuam nesta cadeia de atos

sou só parte do processo

e sempre verei estreito

nunca haverá olhos bastantes para abarcar deus e seus obscuros e suspeitos desígnios

16.7.07

257

quem de tudo faz tormento

vê tormento até na paz

busca desencontros

ignora a própria ignorância

e tem mania de ser moralista como eu agora

quanta babaquice

a questão é saber quem não tem tormento

dizem que os santos perfeitos

donde concluo que não sou nem santo nem perfeito

talvez seja isto o que pensem aqueles a quem atribuímos santidade

soubessem esses babacas que a paz não existe e que ainda assim se pode ser eternamente

e parece que eles vivem felizes com isso

porra como é que pode

que bagulho será que eles fumam para viver assim

por que a mim tudo me assusta e enche de cagaço

coisas que a outros nem movem uma pálpebra

o medo caga-nos a vida

torna-a uma merda

estou transtornado porque algo de bom aconteceu

estou verdadeiramente perturbado porque algo de bom sucedeu em minha vida

15.7.07

256

mais uma folha de chochas reflexões

não adianta

leite não brota de pedra

as coisas que falo não fazem eco

quão pouco me comunico

vivo com os olhos voltados para os anseios comuns

não sei

bem possível que seja

não tenho um ponto de vista interessante da vida

14.7.07

255

sentar aqui e nada

tentador e fácil

tudo por conta de nada

nada se fez nada aconteceu

nada caiu do céu nada brotou do chão

termino o dia com o mesmo número de membros com que comecei

não matei nem dei vida

que eu saiba

clima agradável muito silêncio

isso sempre é bom

sinto-me tão vazio por dentro que posso até produzir eco

e penso como seria ficar vazio de vez

13.7.07

254

ninguém senta e simplesmente pega papel e alguma coisa que escreva e sai escrevendo

antes se deve ter algo na cabeça

algo digno de ser contado

na primeira vez em minha vida em que me disseram haver pessoas capazes de escrever livros inteiros puta merda eu fiquei abismado

acho que estava com uns oito anos quando fui tomado de assalto pela revelação

eu que ainda era semi-alfabetizado

e vocês sabem claro

quando se é semi-alfabetizado também se é semi-analfabeto

difícil saber a metade maior

talvez nem sejam só duas

que sei eu

só sei que fiquei assim puta merda caralho porra escrever um livro inteiro sozinho

quanto tempo isso deve levar quantas vidas se devem viver

mais uns anos e descobri que a coisa era ainda pior

pois os livros que valiam a pena não valiam por ser grandes mas por ser bons

então fudeu foi o que pensei

tamanho todo mundo vê

qualidade entretanto

12.7.07

253

quem disse que o medo por ser uma emoção aumenta o gosto pela vida

esqueceu de dizer que o excesso de medo leva-nos a um estado quase igual à apatia

é um tédio aquele medo prolongado

a consciência da desgraça iminente que demora séculos para desabar

torna tudo mesmice salpicada de momentos de pânico exacerbado

quando por razão qualquer ou nenhuma ficamos certos de que finalmente o tão aguardado sinistro sucederá

que nada

volta-se ao charco

de onde nunca se saiu

trabalho igreja família governo

a quem mais devo dirigir súplicas

nosso maior castigo somos nós mesmos

que desistimos de nós e demos razão ao mundo

11.7.07

252

em certos dias tudo parece uma substância pastosa indistinta remorosa de procedência suspeita

não sei se estou lento ou se estou morto

fico a sentir estranho

como num dia quente de enlouquecer num lugar de atmosfera muito úmida

espessa

vejo ar entrar e sair

quase sólido

bate-me nas têmporas no peito no céu da boca um pulso sem descanso

se tivesse disposição sentiria medo

mas é tão difícil

mesmo a falta de substância nesta atmosfera tem peso

e meu rosto parece estar derretendo

tudo parece tombar

como peças de dominó postas de pé em seqüência

no fim do longo caminho encontra-se o miolo de mim

o duplo zero

10.7.07

251

não acredito que todos os dias sejam iguais

mas aos dias pouco se lhes dá em que eu creia

e assim eles permanecem perfeitamente mesmos

aquilo em que mudam em nada os muda

doem mais

doem menos

doem

nada que aconteça tira-me da idéia a certeza de ser a miséria da criação isto que contemplo no espelho

se é que há criação

se é que tudo não simplesmente sei lá o quê

brotou aqui do nada

veio ao mundo sem mente ou propósito

se é que tudo simplesmente não brota do desespero

do tortuoso caminho

tudo concebemos para explicar esta porra que afinal talvez não tenha merda de explicação nenhuma

este monte de gente complicada e louca

esta tristeza que me dá de viver

a cama que não me deixa dormir

a comida que não quer se submeter ao processo digestivo

a vida vivida pelas beiras

9.7.07

250

mais um pouco de palavras inúteis

proferidas na esperança inútil de que sobre a cantilena insossa desabe o significado

assim sem mais

do nada

como de fato seria

como sempre acontece

nas raras oportunidades em que acontece

olho para aquilo e penso que sou eu

que enfim alguma luz se fez

e que nunca mais viverei tateando o controle remoto do televisor em busca de claridade

que nunca mais socarei bronhas e bronhas para sufocar a fúria dos desejos

mas tudo sempre resulta em ser um acaso

ou uma simples pilhéria do cosmo

logo volto a ser eu

que na verdade nunca deixei de ser

apenas isto

um pedaço de falta de amor próprio

seja por medo por preguiça ou por hábito

na sala de espera espero que a porta que se abrirá não me leve à cadeira do dentista

mas ao paraíso

ou mesmo a um inferno com menos apatia

para sair deste charco topo qualquer risco

inclusive apostar em páreo já corrido

8.7.07

249

não existe meio do caminho nem caminho do meio

o caminho nunca acaba

o meio é o fim

o que acaba é o que não existe

o que nem meio tem

termina antes da hora pois nem começou

era simplesmente um olhador abestalhado invejando o grande logro da criação

até ser devorado pela quimera

que nem precisou de muito cuidado para se aproximar

a refeição supunha-se eterna

e nem cogitou da possibilidade de desafios para se manter em seu estado falto de substância

sucumbiu

ponto

mas logo havia outro em seu lugar bisbilhotando através do buraco da fechadura

e novamente a descuidosa quimera

7.7.07

248

perguntaram-me hoje se eu tinha dor de cabeça

respondi que não

e calei ouvindo a voz dentro de mim que completava a frase

tenho dor de consciência

isso eu só disse a mim mesmo com o passado batendo horrendo na porta do coração

e eu pensando na morte

e nas sinas que me foram dadas por meus pais

6.7.07

247

falta do que falar é o que mais se vê

acho que é tudo que tenho para dizer

estou entulhado de palavras

abarrotado de idéias

nada vale sequer um naco de bosta velha

aquelas ideiazinhas chatas batidas

que talvez tenham-me sido novidade lá há uns quarenta aninhos

quando descobri e me tornei viciado nesta droga maldita chamada razão

daí comecei a achar que seria possível comprimir todo o significado da vida num discurso

e comecei a reduzir minha mente

e comecei a fechar todas as portas

deixei aberto só o abismo em que se cai mas não se chega a fundo algum não se morre não se mata nada se vê de lindo ou de horrendo só se fica ali solto no ar esperando esperando esperando e esperando

tudo passou menos minhas mais que retrabalhadas fantasias e filosofias

e todo dia é igual

pior ainda quando estou só comigo

todo dia me vejo

e sei em meus olhos que serão de novo os velhos pensamentos

5.7.07

246

não passo de um animal

que anseia o sublime

que acredita que o sublime pode ser tudo

menos isto que me circunda

menos onde eu esteja

que repete momento após momento a mesma palavra o mesmo gesto

deus deus deus deus

sinal da cruz sinal da cruz sinal da cruz

por que a vida haveria de ser tão chata

vá saber

são as pulsões do medo

fico paralisado pensando no que poderia

chego sempre a conclusão nenhuma

e digo para mim que a graça do negócio é esta

a mumificação do pavor

rio porque é sério

tudo praticamente sempre apresenta uma calma impossível

mas dentro de todos reside uma bomba

a prazo perdido

não se sabe quando

hoje ou nunca

devo viver preparado para uma experiência única

enquanto todo dia repito todas as mesmas santas coisas

nas mesmas horas

com as mesmas pessoas

sempre no mesmo lugar

eu

que não posso parar de ser eu

4.7.07

245

por que sempre deixo a tranqüilidade por último

por que sempre parece que ser tranqüilo é tão fácil que nem o precisamos procurar ser

não nos incomodamos de sentir medo

de vez por outra desejar com nossas entranhas vinganças sangrentas

é disso que cremos constituir-se o mundo

um punhado considerável de ódio e desprezo

estamos seguros

temos governo polícia e indústria farmacêutica

e se a coisa não tem funcionado muito bem nos últimos milhares de anos

não passa de mera circunstância

se pensarmos em termos de infinito

pois todas as nossas obras são para o infinito

mais infinitas que nós

que já somos infinitos pra caralho

o homem está aqui para ficar

melhor então seria dizer o homem é aqui

mas o negócio é que ele veio para ficar

ou para desgraçar tudo de uma vez ao derrocar

não sai nada barato mexer conosco

pomos tudo abaixo

espalhamos mais que sofrimento

e que se exploda a porra da tranqüilidade

3.7.07

244

quero ser um pouco menos de pensar

não porque quem pouco pensa age

só porque quem pouco pensa simplesmente pouco pensa

pouco compara

pouco associa

pouco presume

e pouco se aflige em concluir raciocínios

quem pouco pensa talvez nem pense melhor

mas pensa menos

o que sempre é melhor

2.7.07

243

tanto desejamos mudanças na vida

tanto queremos que tudo mude

parece que qualquer mudança poderá tornar tudo melhor

parece que tudo que temos pode ser lançado pela janela que nada perderemos

não sei como posso pensar assim

não sei nem se todos pensam assim

mas muitos

não estou só neste hospício

basta olhar em volta

não somos capazes de nos convencer de que não somos capazes

1.7.07

242

todos temos desejo de voltar no tempo

de novamente possuir um corpo jovem para nossa mente velha

certos de que isso nos pouparia de todas as dificuldades

de que assim trilharíamos os caminhos do passado com segurança e tranqüilidade

decerto imaginamos isso crendo que voltaríamos conhecedores do futuro

conhecedores de todos os perigos do mundo

velhos sábios em jovens corpos

como se hoje não tivéssemos mais obstáculos senão nossa velhice

queremos que o tempo volte porque então saberíamos fazer a vida menos amarga

porque temos certeza de que agora tudo que nos falta são a beleza e o vigor

simplesmente demoramos muito para aprender

simplesmente chegamos muito tarde a saber de coisas que deveríamos saber desde o princípio

de minha parte

se hoje aceito melhor o ônus de viver

nem por isso creio que seria capaz de tornar adorável o tormento em que vivi no começo

mesmo assim desejo