31.1.09

822

por todos os meios as circunstâncias gritam
não sei o quê
mas tudo me parece em pânico
discretamente
apavorados
todos correm
como se nada
um mundo
em que violência
explode
do nada
e a paz nunca é
muito tranqüila
tudo de onde venha termina no meio
este misto de nada com coisa nenhuma
que não alegra nem entristece
então é triste
porque beco
porque sem saída
mais um tanto daquilo mesmo
não reclamo
só digo que é uma merda
não saber distinguir vida de morte

30.1.09

821

tolice dizer
momentos há em que me sinto totalmente exposto
não sei se me vêem
caso me vejam entretanto
parece que me enxergarão até as fontes mais remotas
que nem eu mesmo conheço
qualquer que seja meu caminho
não me permitirá fingir que não vim de onde venho
não que minha origem me envergonhe ou me orgulhe
simplesmente prefiro permanecer anônimo
nada de especial tenho
fosse o contrário
e eu até desejaria me dar a conhecer
como objeto de admiração
não como mero espécime

29.1.09

820

não sei se um dia me acostumarei a viver com tanta paz e harmonia
este mundo só de bondade é muito mais do que mereço
nada me falta
não tenho necessidade insatisfeita
se tudo acabar hoje
não tenho do que me queixar
se tudo continuar infinitamente
não tenho do que me queixar
nada tenho a temer
não sei por que sei isso
apenas sei que sei
e não é o saber que me faz feliz
é o ser
é poder viver sem pensar
é ver eternidade em cada milionésimo de segundo
não é propriamente saber
saber é a experiência do passado
do que falo é de viver
como flutuar
abrir um infinito sorriso
e morrer de felicidade

28.1.09

819

não sei o que dizer
também não sei se alguém me quer ouvir
aliás não sei nem mesmo com quem discuto
ou se discuto
estou de saco cheio de me justificar para mim mesmo
de criar desculpas para o mundo
parece que atrás de toda porta está o monstro
parece que tudo que se me reserva
é mau
viver é pena
é não esquecer
esquecer que há coisas que se devem esquecer
mas lá está a criatura
por nós nutrida
inesquecível
como se o medo de não sofrer fosse maior que qualquer sofrimento

27.1.09

818

aqui é um lugar assim
nem lá nem cá
daqueles que não deixam lembrança
ou se as deixam não são das mais notáveis
um lugar onde
embora coisas bem extremas possam ocorrer
de modo geral tudo é bem moderado
bem na base do não fede nem cheira
sem dúvida a vida é um tédio
mas não chega a ser aquele tédio mortal
fica mais para um tédio vital
uma sensaboria que nos enche de vida
sou um pedaço de ignorância cercado de desconhecimento por todo lado
disso se nutrem os medos

26.1.09

817

penso se algum dia estenderei um dedo da mão
e tocarei esta realidade
ou uma outra qualquer
talvez
talvez haja fim nisto
ninguém pode ficar emparedado por todo sempre
espero
quem sabe tateando eu encontre uma passagem
quem sabe a passagem não me leve a mais uma parede
que de paredes

25.1.09

816

o dia termina
acho que não me sinto mal
decerto que não especialmente bem
mas nada precisa ser especial
não tenho poder para ser fútil
só posso ser comum
o que já é algo
não faço parte do grupo dos lascados
vou vivendo
sem crise
sem emoção
não sei se estou destinado a sofrer nada de grave
até agora não
o que não me dá certeza alguma para o futuro
exceto que o melhor que consegui até hoje foi tédio
já é alguma coisa
tudo na vida tem seu valor
difícil não esquecer isso
quantas vezes já quase não joguei tudo fora
mas uma mão me deteve
uma mão que uns chamam destino
outros deus
para mim foi puro medo
grande diferença
uma merda sempre será uma merda
ainda que a chamem de flor

24.1.09

815

a manhã já deixou de ser
dormi-a
isso não me dói
o que dói é todas as manhãs
e também algumas tardes e noites
isto não cansa o corpo
cansa a alma
é como viver parado
só que com muito esforço

23.1.09

814

na verdade não sei ser nem não ser
sou só porque me puseram aqui e fui ficando
que mais sei
porra nenhuma
onde quer que me deixem
lançarei raízes
desde que me deixem tempo bastante
não é o mesmo que morrer
é o mesmo que não viver

22.1.09

813

nem tudo na vida é flores
e não se deve reclamar
tudo é indiferente
acontece
para uns é bom
para outros
mau
não há tratamento especial
um tiro na cara ou uma imensa fortuna
parece que tudo vai assim
caindo sobre quem for
não sei para que a idéia do castigo
o fato de a desgraça ter um porquê em nada me apazigua
só os acasos favoráveis

21.1.09

812

minha opacidade volta e meia me surpreende
pelo menos já não tenho mais dúvida a seu respeito
antes de tudo fui feito totalmente à prova de brilho
podem me cromar
de nada vale
não brilharei
posso ingerir o sol
dentro de mim ele se apagará
é uma coisa difícil de aceitar
embora eu me diga sabedor do fato
na maior parte do tempo vivo convicto de que cintilo
só de vez em quando a realidade vem e me dá na cara
por isso não necessito de lembrar-me
nada de penitência
basta a vida

20.1.09

811

dê-me uma tranqüilidade qualquer
contanto que me baste para ir por aí
esquecido
descuidado até
sem juízo
mas antes de tudo sem maldade sem desejo absolutamente
sem medos nem coragens
talvez leve

19.1.09

810

o caso é
nem sempre o dia é cheio de sol
tudo por vezes fica de um modo tão próprio de tudo que não fica
parece que a vida passou sem nem começar
não faço idéia do que seja isto
penso se é como acordar sem ter dormido
como emparedar-se em silêncio
é mais
ou menos
um dia
quem sabe ainda muitos
toda a vida para viver não faz ninguém eterno
um dia haverá apenas um dia
melhor vivê-lo como o primeiro de muitos
mais vale um prazer vazio
uma alegria sem porquê
que os fundamentos da tristeza

18.1.09

809

dinheiro sempre ajuda

quem sabe umas porcarias de auto-ajuda não me ajudariam a ganhar um bom dinheiro

afinal a literatura é de auto-ajuda

17.1.09

808

eu devia ter escrito qualquer porcaria de auto-ajuda

talvez me ajudasse

16.1.09

807

todo dia é um daqueles

todos a ponto

travados no alvo

roxos

só me disseram para andar por aí

para ser mais um

ou mais outro

ao menos foi essa a parte que entendi

não sei se certo

15.1.09

806

como se vive

gostaria de saber

sobre vidro tão fino

sem queda

sem quebra

sem sangue

14.1.09

805

não sei distinguir ambição de ganância

ambas são da mesma cor

varia a intensidade

uma é mais corrosiva que outra

não que me falte um tanto de cada

o negócio é que me sobra tolice

quer dizer

não sou mau por não ser mau

mas por inépcia

do contrário eu seria bom

suponho

13.1.09

804

nada entendo do mundo

também nem sei se esta falta de entendimento é má

o que faz mal é não poder simplesmente ver

ver e só

sem a voz que ininterrupta

não sei como fico aqui

não sei como sair

vítima de pequenos males

que a pouco e pouco

por acumulação

tornam-se uma torrente de infortúnios

sem procedência

a me rondar o crânio

12.1.09

803

pergunto-me quando haverá um caminho

ou se sempre será esta série de tropeços

opaco como só eu sei ser

sempre de canto

tudo só passando

eu me repetindo

metendo a testa na parede

nada em mim brilha

salvo minha falta de brilho

como nada em mim é forte

salvo minha falta de força

e meu complexo de inferioridade

e a velha incontornável sei lá o quê

que me põe assim

meio morto meio aborto

sem saber jogo fora a leveza de viver

presumo

nunca me senti leve na vida

só sempre assim

querofóbico

nada me parece menor que eu

tudo passa

surge de um lado do horizonte

atravessa meu campo de visão

e some

11.1.09

802

tudo

a vida e seu preço

cada mínima coisa

e o quanto ela custa

tudo grita a meus olhos

o mundo não é para mim

talvez deus seja um caminho aberto

uma harmonia entre desejo e realidade

talvez isso seja deus

o perceber que tudo está bem

não deve ser tão fora de propósito supor que deus seja a felicidade

já que a felicidade por si só não basta

que seja

mesmo assim não me sinto feliz

tudo tanta demora

e tão pouco prazer

dia após dia após dia após

mastigar interminavelmente a vida até o fim

não tenho idéia de como acaba

não lembro

não sei o que faço

faço o que me mandam

faço-me de digno sem saber que coisa é essa

se digno deveras

só acidente

10.1.09

801

tão difícil ver uma mulher nua ao vivo e de graça

nua linda perfeita e sedenta de mim e só de mim

tão difícil que nunca me aconteceu

só nos sonhos

sonhos que nunca passam de sonhos

servem só para diminuir ainda mais a vida

coisas que nunca vêm

que só são esquecidas

pelos outros além de mim

o tempo todo o nunca por horizonte

tudo que nunca

tudo que quero

disseram por aí que mulher dinheiro e ócio fazem mal

fazem mal aos que não os têm

viver conduz à morte

viver sem prazer conduz à depressão

depois à morte

o poder aflora o sadismo

fato inerente

os de baixo não têm direito a prazer algum

nem ao de sofrer

9.1.09

800

não sei ser seco

uma merda mas verdade

sempre este lirismo de paixõezinhas

os velhos tão velhos ressentimentos

esta infelicidade sempre igual

por vezes desejo ser feliz só de raiva

mas a raiva não me deixa feliz

nem é nova

é a velha vala

a coisa

de novo

amanhã também

e depois

o resultado

este lirismo chocho

tão sem cara

8.1.09

799

vivendo vamos

não sei se mortos também vão

mas a vida

a vida vai

mais nada

é uma ida

ou várias

disso que esta coisa se faz

dia vai dia vem

nada se repete

só não deixa de ser

defunto é tudo igual

vivo também

cada um carrega uma certa marca

pessoas chorando

pessoas se rasgando de chorar em funerais

e amando a vida

amando a vida por não conhecer mais nada

deus não está morto

deus não está vivo

deus não está

concluiu o filósofo com base não sei em quê

deus para mim é algo assim como o japão

algo muito distante em que tudo é muito diferente e aonde não desejo ir nem que me paguem

então por que me preocupar

7.1.09

798

não quero nem um pouco saber do que há lá fora

as amostras já me mostraram bastante

sei que lá a possibilidade de ser feliz

é bem menor que aqui

e aqui ela é nenhuma

a verdade é que não deve haver diferença

lá e cá

tudo é sólido intransponível

os corpos nunca se fundem

só colidem

todos prontos para uma carnificina

o caminho é o mesmo

sempre descendo

até sei lá quando

a vida ou a morte

quem sabe

aprisiona e asfixia

noite após noite

eu no meu quarto

transpirando

6.1.09

797

eis-me de novo

com minha hipertensão

vivo pensando que não vou durar muito

quando devia pensar em não durar mal

quanto fosse

o tempo me angustia

tudo já passou

estou perdido por aí

em algum túmulo

que chamo de corpo

é assim como quem não cansa de uma droga letal

só fico na espera

a única novidade possível na vida seria da vida eu me cansar

cansar de uma vez desta coisa cansativa

destas certezas que nem são minhas

que me levam a lugar nenhum

só se apossam de mim

5.1.09

796

vivo há quarenta e seis anos e uns dias

e ainda não sei respirar

sinto-me cada vez mais frágil

cada vez mais sem amparo

nos amplos cômodos desta solidão

nunca falta espaço

não vem ao caso quão grande eu seja

tudo me reduz

a mim

quatro paredes teto piso

não encontrei deus

nem o perdi

todos ignoram meus tormentos

mesmo eu

e não sei por que não durmo

nem por que não desperto

tenho só esta tênue noção de individualidade neste oceano de incerteza

4.1.09

795

tudo passa desta maneira

tudo acontece só uma vez

de vários modos

conforme os olhos

na maior parte dos casos

assusta

faz querer desaparecer

e depois pensar que tudo bem

a vida é assim

silêncio e indagação

sem saída e sem entrada

isto que nos faz nada ver

tudo querer

não sei como vou morrer

ou como vou vivendo

presumo que vivo

presumo que isso me faz feliz

só não estou certo

porque felicidade

não sei se conheço

isso é de menos

a vida é dormir acordar comer beber cagar mijar

tudo creio peculiar

não é

sou apenas eu

na mais comum das situações

3.1.09

794

não me encaixo neste mundo

não é culpa minha

não é culpa do mundo

é assim

pronto

então por que teimar

por que transformar a vida numa prisão

se viver fosse tão bom igreja não seria um negócio tão lucrativo

sinto-me na obrigação de ser triste

se tantos que acreditam na vida tão mais do que eu o são

minha alegria seria uma afronta a tão esforçados imbecis

e não vim aqui para ofender ninguém

existir já é mágoa bastante

mas parece não satisfazer a maioria

saímos por aí em busca de mais

tudo é castigo

porém desde que justificado

tudo bem

o que se leva da vida

é o desperdício de vida que se leva

não sei por que insistir em crenças

ninguém pode ser obrigado a crer

e no entanto somos

obrigados

a viver

e a morrer

2.1.09

793

já faz tempo que o prazer começou a sumir

ainda quando criança

aquela sensação

aquele susto

a perda que ninguém nota

mas um dia olhei para algo

vi uma coisa

e só

não havia mais a torrente de sensações

só um objeto

sem muitos caminhos

algo

nada mais

ouvi uma voz que desde então ouço todo tempo

desde então

meu cotidiano

é esta série

de momentos

pouco ou nada

nada pra ver

nada pra fazer

o prazer estará ausente de tudo

a vida será tão invariavelmente igual

1.1.09

792

é todo um caminho perdido

não sei dizer como o fiz

nem o que foi feito

de certo só fato de tê-lo percorrido

de modo bastante involuntário

mas acontece

dá-se com a cara numas ou noutras paredes

mas percorre-se

é esta coisa meio de quem está perdido e não acha bastante o desencontro

a vida é uma armadilha

parece muito uma coisa sem começo nem fim cujo meio dura uma infinidade

de repente a eternidade parece ser aqui

e parece deveras eterna

e tão tediosa

que qualquer fim torna-se interessante

viver a vida

morrer a morte

comer a comida

dormir o sono

cagar a bosta

vomitar o vômito

não sei quão longa é a lista

nem se é verdade

aliás nada sei sobre verdades

só sei do que sinto

se é que sei

ou sinto