31.7.09

1003

quero que o mundo se foda
quero que todos morram
não suporto mais esse otimismo imbecil
estampado nas caras nas bundas em todos os poros dessa corja
miséria
não sei como pode alguém ser mais mesquinho que eu
mas há
tantos
tantos que me sinto quase uma reserva moral
isto cansa
mais do que cansa
é uma série de acontecimentos que vão nos deixando
sem sabor
sem desejo
sem um pingo de sangue
tudo fica mecânico
tudo sempre falha sempre escangalha
a vida
deus e suas linhas tortas
e sua natureza morta
tomara que não sei o quê

30.7.09

1002

só sendo cruel para ser feliz
a crueldade é a única realização possível
que outro prazer
querendo ou não chorando ou rindo
é aqui
que droga
não conheço ninguém com menos disposição
todo mundo me passa a frente
eu
que nasci com esta cara senhorial
um zé ninguém
ao menos a cara combinasse com o espírito
é ruim assim
nem lá nem cá
é o que acontece quando um só está em dois lugares
fica-se em pedaços
vira-se nada
e bem lá no fundo há uma certeza
de que viver causa um cansaço
um tédio
e um medo
de que o que já aconteceu aconteça

29.7.09

1001

sair é o que se deve quando o lugar é mau
mas há prisões há presos há castigos
longos
daqueles que de tão demorados até nos fazem esquecer que somos e por que somos castigados
a serviço de autoridades
a serviço de quem possa
aceitamos
certos de que a covardia é um preço pequeno

28.7.09

1000

tudo na mesma
nada do que não tenho deixou de existir
continuo aqui também
não sei até nem desde quando
lá no fundo morava em mim uma fé vã
de que daqui eu só me expandiria
de que cada vez eu seria mais amplo
a vida não é assim
o mundo é estreito
eu ainda mais
então tenho medo
de ser imortal
infinito e limitado

27.7.09

999

se tudo isto é ilusão
então também sou
e esta é minha realidade
o concreto que conheço
tudo acontece como vejo
e se há saída disto
não faço idéia de onde anda essa droga de saída
sempre precisamos do que não temos
sempre temos a pulsão de que não nos desvencilhamos
esta pressão no peito no ventre entre os olhos
gente falando falando falando
o que sinto deve ser cansaço
quase sempre é vazio
às vezes assusta
no geral porém
é despertar para aguardar o próximo sono

26.7.09

998

tudo vira tara fixação coisa sem novidade simulacro de prazer tristeza fria cansaço sem sabor
sentar na privada
todo dia saio da cama e sento na privada e esqueço
o fim da vida não é sentar na privada
mas esqueço
talvez nem deus supusesse tão fácil acabar comigo

25.7.09

997

bobos talvez sejamos todos
uns são imbecis certificados
outros têm poder bastante para se furtar a juízos
ninguém tem qualidades morais
mas alguns têm dinheiro bastante para compensar
no fim das contas é isto
uns podem
outros não
o dever destes últimos é permanecer em silêncio
viver do prazer de ver o prazer e a dor alheios
acreditar em lembranças
que talvez nem sejam suas
talvez de ninguém
e mudar quando quer permanecer

24.7.09

996

nada pior que aqueles silêncios
em que não se pode nem olhar nem tocar nem demonstrar o acanhamento de tudo aquilo
e tudo que eu queria
é tudo que não sei
como eu gostaria de não ser repelido
de não me sentir repelente
não sei ser especial
só sei me sentir o último
e ter pena de mim
a gente só sabe no que se meteu
depois que sai da situação
até então tudo é nada saber

23.7.09

995

estou mais que cheio de tanto erro
se é errando que se aprende
enfiem seus erros bem enfiados
e rebolem-nos por aí
como é chato
chato a mais não poder
infindo
basta
que basta o quê
tudo que posso é nada fazer
um sujeito quieto
ali no canto
aos poucos enlouquecendo
sempre quietinho
apodrecendo
apenas por dentro
fedendo
só para si
enfim
se tudo é desgraça
contanto que seja uma desgraça discreta
particular
esqueça
deus abençoa os que se calam na apatia

22.7.09

994

todo dia passa um dia por aqui
às vezes mais às vezes menos
todavia dificilmente vivo um dia inteiro
a velha dúvida
estarei morto estarei vivo
longuissimamente
nada vem na hora
tudo quando vem já é um velho desejo
uma coisa sem sabor
o que seria da vida sem a sensaboria

21.7.09

993

o esquecimento será cada vez maior
dentro de uns anos não saberei nem quantos anos passaram
espelho meu diga se no mundo existe alguém mais sem propósito do que eu
tanta saudade do meu tempo de isolamento
sem emprego sem computador e com muito menos desejos
o que os olhos não vêem
sempre a tal da história
mas tive que reingressar no mundo
tive que readquirir noção da velha realidade
por que acabaram os desaparecimentos
antes que eu desaparecesse
acabei aqui
esta eternidade também acabará
mais dia
dia menos

20.7.09

992

tudo que requeira mais que dez palavras para ser explicado não merece ser conhecido
inclusive o que acaba de ser dito
não quero mais descobrir
não quero mais aprender
antes muito antes de tudo não quero aprender mais nada
quero saber
ou não saber
que seja
conhecimento não dá prazer
deixem-me voltar a meu nada primordial
ou ao nada que nunca fui
como eu gostaria de ser uma ameba
viver menos de um dia

19.7.09

991

vivo pensando em minha insignificância
como sou tão assim
dentro da parede
daqui não caio
daqui não saio
mesmo que queira
estou muito dentro
ou muito fora de mim
entre nada e lugar nenhum
esquecendo
que a lembrança nunca se apaga
que a aparência
é só aparência
perdendo perdendo
e sempre encontrando mais o que perder
até que acabe
é um processo de dor por dor
cair viver cair querer morrer viver temer viver
e esquecer
que nunca esqueço
que nunca termina esta tarde quente
neste escritório
como eu gostaria
de ser só carrasco

18.7.09

990

dia após dia
cumprir deveres
não tem jeito
sou covarde
cumpro-os
mas querer que eu os cumpra sorrindo
aí já é demais
rastejo de tombo em tombo
se eu pudesse dizer onde estou
pudesse dizer que estou perdido
ao menos teria algo que dizer
o velho idiota perplexo
sempre temeroso da imensa mão do destino
estou no meio da avenida
nu da cintura para baixo
sem saber como não ser atropelado
durmo o sono dos que não dormem
e aguardo a próxima ordem
em tudo penso encontrar o conhecido
em todo desconhecimento
o que conheço em quase tudo
é a coação

17.7.09

989

viver nesta ânsia
sempre à espera da desgraça final
sem elo com o mundo ou comigo
só pensando no desabamento
que a qualquer momento
não sei quando
mas pode
deve
não quero ser salvo
para prosseguir assim
viver como ninguém
e ser alguém só quando ninguém quer ser
não quero morrer não quero viver e não quero meios-termos
talvez a paz só seja possível onde não haja paz nem conflito nem amor nem ódio
talvez tudo se resuma a isto
minhas apostas foram muito altas
e perdidas

16.7.09

988

viver um dia depois de uma noite bem dormida
às vezes é necessário tão pouco para ser feliz
viver uma vida com pouco
nada querer
nem todos são assim
pouco conheço
deste pouco porém
presumo que conhecimento não vale muito
não causa nem alegria nem tristeza
às vezes vale dinheiro
mas a vida talvez requeira pouco dinheiro
pouco desejo
e algum gosto
como é difícil ter paz
encontrar um ponto de onde se possa ver e viver
não sei se isso existe
não creio que meus desejos me façam feliz
mas não sei qual sua fonte
não vim ao mundo com muita capacidade de aprender
ainda menos de saber
principalmente o saber que não vem da razão
o saber que tem valor
sou uma besta
perdida no mundo
que às vezes arranha a paz

15.7.09

987

com exceção de alguns dias
horas talvez
sempre na velha vala
pensando pensando
criando quadros
não muito interessantes
coisas com que gastar o tempo
para depois ver que
meu deus
como o tempo passou
que bom era ser imbecil e crer-me imortal
que bom era ser imune à morte
mas a consciência
a consciência sempre se alastra
e dá-nos toda noção de medo possível
mais cedo ou mais tarde surge um cretino
e começa com conversas de superação
se afundar é sinônimo de superar
concordo
e acho enfadonho viver assim
com o disco pulando sempre no mesmo sulco
sou tão igual ao que era ontem
tão igual que me sinto diferente de todo o resto do mundo
tudo muda
eu só envelheço
mudo de lugar porque lugares mudam
no mais
não há mais

14.7.09

986

não sei em que penso quando penso que não penso
penso que não penso
claro
no mais tudo na mesma
como correr no escuro
sem saber se há caminho
ou parede
ou abismo
prossigo
não por vontade

13.7.09

985

a coisa mais legal do milênio
foi ver aquele monte de bundão
chorando e lastimando as torres
gentinha
parecia que pela primeira vez na história acontecia uma desgraça
o mundo até então fora tão-só e apenas pureza e inocência
até que de repente um bando de loucos que só querem fazer o mal
vem e sem motivo nenhum destrói a atmosfera de absoluta paz que por todo sempre reinara no planeta
tadinhos de nós
precisamos lutar
árabe bom é árabe morto
feche-se o mundo
dane-se tudo
temos uns salins pra trucidar
muçulmanos ou que porra sejam
tudo é suspeito
tudo é petróleo

12.7.09

984

desejos longamente nutridos
nunca se satisfazem
anos e anos depois
ao se obter o que se quer
já nada mais se sente
a ânsia converteu-se em pálida frustração
tantas noites de sono
tanto sucedâneo
tornamo-nos outros
mutilamo-nos
um tanto de vida se foi
e qualquer outro tanto
não será mais
simplesmente não há como
merda
se há prazer aqui
muito mais dor há
se deus se oculta por trás do que criou
é por saber a puta da merda que fez

11.7.09

983

houvesse como viver sem conflito
de novo a velha história das dualidades
saco
será que não há saída
um mundo que não sei imaginar
que desejo sem conhecer
saco
deixar para trás existir e inexistir
não sei ao certo se sinto cansaço tristeza frustração enfado ou dor de barriga
só sei que isto não me causa desejo de mais vida
só medo da morte

10.7.09

982

parece que a vida já acabou
e apenas esqueceram de encerrá-la
também não sou eu que voluntário me delatarei
não tenho por quê
mas não me sinto pronto para nada
quanto mais para a morte
conforme a correnteza
conforme me trombo
vivo na esfera do que não fiz
mulheres com que não trepei
dinheiro que não ganhei e não gastei
para que nutrir esperança
a vida acabou
não fui de todo infeliz
nestas dezenas de anos
tive umas trinta e cinco horas de felicidade
não tenho mais dúvida de que alguém possa viver assim

9.7.09

981

basta ter uma rotina
com tudo que ela requer à mão
sair de um buraco e cair em outro
não há como viver sem ao menos dois buracos
é o mínimo
e mesmo assim a constante repetição
sair de um buraco e cair noutro e sair deste e cair naquele e sair daquele e cair neste e daí por diante
como cansa
tanto quanto viver emparedado
é algo que não se pode fazer sem ao menos uma televisão
de preferência tevê por assinatura
para se ter mais canais além dos abertos
não é tão fácil quanto parece ser defunto em vida
nada somos sem acessórios
fato
nada somos sós
devemos nos tornar escravos do mundo
do contrário nada somos
se viver é gastar um corpo
é ir de um segundo para outro completando minutos horas séculos
então vivo

8.7.09

980

cansei de buscar ser lírico
já faz algum tempo
cansei de pesquisar sentimentos
era um exercício da razão
nas raras oportunidades em que encontrei o coração
ele não passava de um pedregulho
congelado pelos miolos
mas o caso não é que não encontrei lirismo em mim
encontrei-o
e o achei idiota
na verdade é raro o lirismo que não me pareça idiota
ou melhor dizendo chato
pra chuchu
então cansei
comecei a escrever deste jeito
não por querer escrever poemas
mas por querer ter menos trabalho ao escrever
se não lírico
preguiçoso sou
e bastante
amo desafios
contanto que fáceis
ou inexistentes
já é tão difícil viver sob a iminência da morte e de seus consectários
basta
não careço de mais emoções
a contrariedade
além de causar dor
é um saco

7.7.09

979

não entendo por que há vícios
não entendo por que coisas boas fazem mal
que novidade
não é que tenhamos vindo errados
presumo
o que deve acontecer isto sim
é que supomos ter vindo para o que não viemos
como seja
cansei de viver no mundo dos outros
quero um mundo só meu
onde eu possa tudo
onde nunca absolutamente nunca haja desprazer algum
por mais inconcebível
acordar e não ter que trabalhar
não sentir sono
não sentir desconforto algum
não correr perigo
não sentir tédio nem medo
ter sempre um infindo e inesgotável prazer
nunca ver fim
nunca ser separado do que se ama
não viver sob os limites de um corpo
não viver sob os limites de uma mente

6.7.09

978

a vida passa
talvez nem seja rápido
o negócio é que ela passa
e um dia vemos
que já se foi um monte de tempo
e que muito do que passou nem lembramos
como máquinas desgovernadas
avançamos no tempo
tantas vezes como autômatos
provável que para esquecer nossa maior dor
a de saber que tudo acaba
e se acaba
é para sempre
e se começa
é para acabar
somos fins em potência
enquanto não nos tornamos lápide
chorar fartamente
um de nossos passatempos
mas esta dor não se cura com choro
isto já nem nos faz mais tristes
é a vida

5.7.09

977

vivemos de olhos grudados na máquina de lavagem cerebral
tudo que podemos fazer é desligá-la
e pasmar diante da aflitiva falta de imagem
quem tem dinheiro fala o que quer como quer quantas vezes quer
os duros podem calar-se
ou abrir a boca somente quando chamados
ninguém nunca os chama
ou chama-os na hora errada
chama-os e sua falta de hábito deixa-os basbaques diante da exuberância do poder
algum dia talvez me ponham na tribuna
o que não quero
pois sei que no meu momento
falharei
pois sei que falar não me faz feliz
não sei se o silêncio total
bem que eu gostaria
parece que ainda há um pouco de vida em mim
preciso acabar logo com ela
este teatro de terrores

4.7.09

976

parece que a vida sempre será pior se eu estiver perto de uma praia
praias fedem
algumas até são bonitas
mas todas fedem
esses fabricantes de merda enchem-nos de merda e ainda são veneráveis cumpridores da lei
eles despejam seus dejetos
dejetos do processo de fabricação de merda
mas mesmo sem a merda da merda
praia é uma merda
muita areia muita água muito sal e o cheiro de peixaria suja
a indústria só vem completar o caldo
o mundo não é perfeito
até porque essa imbecilidade de perfeição é conversa do imbecil racional
o mundo tem suas putrefaçõezinhas
nem tudo aqui é gostoso e cheiroso
o mundo é assim
simplesmente
e se não gosto eu que me foda

3.7.09

975

certas coisas que acontecem
parecem fruto de uma mente mórbida
o desagradável sempre se revela
numa teia sutil
talvez um dia
há muitos mistérios
mas talvez um dia
me enterrem vivo
como vou saber
destino irônico
desafios insuperáveis não são desafios
são tédios
chega uma altura em que tudo se torna chato
bastante monótono
já não quero mais cumprir minha parte
cumpro-a com aquela disposição de funcionário público em fim de carreira
entre a morte e a apatia escolho as duas
e vou vivendo
é assim que se faz
chego a lugares
mas não tenho destino
nunca sei onde
a vida me causa esta sensação de queda
de falta de propósito
e de farsa
não sei o tamanho
de minha covardia

2.7.09

974

talvez algum dia não sei o quê
sei lá
talvez algum dia
quem sabe esperando
ficando ficando ficando
pronto para algo
em permanente prontidão
talvez se esteja em estado de guerra
talvez esta seja uma guerra estranha
talvez paz
eu sei lá
é um troço que não entendo
e ao que me parece ninguém
soltemos uma bomba
matemos o culpado
que deve viver por aí
quanto mais longe pior
quanto mais perto sei lá
talvez algo aconteça
talvez o acontecimento se resuma à espera à espera à espera
talvez dormindo
dormindo muito
em vez deste cansaço
deste consumir-me
milhões de mim por minuto
em pedaços
esquecer-me
um dia ainda
talvez

1.7.09

973

o ser humano cansa
sua grande arma
ele desgasta o oponente
eis a utilidade do poder
vence-se pelo cansaço
pouco importa que o sujeito seja chato
ele é um vencedor
o mundo inteiro já não o suporta mais
e ele segue
impávido
soberano
apropriando-se de tudo
ô animalzinho
coisinha mais sem jeito e sem graça
mas vitoriosa
tudo que ele toca
adquire sua marca
tudo deve se dobrar a suas maravilhas
tudo custa caro
e assim há humanos e humanos
com inúmeras subcategorias
bicho sem senso
também para quê
o mundo se deteriora mas não é agora que ele vai acabar
apenas daqui a um dia
quem sabe dois
temos tempo
há humanos e humanos
os que vêm depois são outros
os que ouvem o que falamos não sabem o que pensamos