30.9.08

699

amanhã serei ainda mais velho

como em todo novo dia

não nasce um novo eu

apenas morre o de ontem

mais uma vez

e hoje nada de novo

não sei se isso cansa vocês

acho-me um pouco chato além da conta

parabéns para mim

que nunca deixarei de ser meu inferno meu suplício e meu meio de vida

parabéns para toda esta trágica piada

como desejo ter a leveza de espírito de deus

criar a desgraça do mundo

e depois dormir como um deus

como eu gostaria de ser assim

um animal pérfido

coisa que já sou

e sem um pingo de subterfúgios

sem nenhum pudor

coisa que não sou

sem esta ânsia doentia de justificar o injustificável

simplesmente sendo de uma vez a praga a peste a ilusão

simplesmente

29.9.08

698

por toda eternidade ficarei aqui

parado no meio

apenas desconhecendo

nada demora

pois nada está por vir

causa-me desânimo

é velho é bobo

triste e complicado

e é

só queria dormir

não mais despertar

para quê

neste jogo só um ganha

sempre o mesmo

apenas passado

cabimento não havia mesmo

para que algo mais se interpusesse entre mim e mim

para que justificar minha natureza castrada

minha frieza interior

e o fato de querer morrer

três vezes por dia

no mínimo

pura encenação

tudo brincar de não ser não sendo

deus como quero desintegrar-me

deixar-me a boiar na correnteza

esquecer de tudo

coisa mais chata

28.9.08

697

agora que não há mais em que pensar

busquemos mais problemas

uma burrice inteligente

basta bonito embrulho

talvez eu tenha saído do eixo

se esse é o problema

então é de há tanto

num momento qualquer

após o surgimento do homem na terra

afinal de contas não é verdade que em todo lugar há um deus pendurado na parede

quem pendura deus tem fé

que vida

tudo está por vir

toda catástrofe

todo conforto

tudo é espera

tudo é ignorar

não sei como sair disto

todas as portas não são saídas

nem entradas

27.9.08

696

quem disse que sou obrigado a viver

alguém creio

quem não sei

a morte é o medo permanente

mera presença

mas funciona

sempre que penso

todas as vezes

corro a refugiar-me neste tênue conforto de viver

de estar vivo

sem querer

movendo-me sem supor a grande possibilidade

de apenas estar

ajeitando melhor

minha cabeça

no cepo

penso que viver

é apenas repassar

velhas lembranças

assassinas

velha vida

como morte

velho modo

velha tumba

ainda o mesmo

um defunto que não apodrece

de modo e maneira

só se deteriora

no espírito

no imaterial

o corpo permanece hígida maravilha

26.9.08

695

que de bom nisto

que de bom que nada

mas também que mal há

o mal na verdade está na sensaboria

o que não vai nem vem

de que já falei bilhões de vezes

se sou eu mesmo que me ponho nesta situação tão triste

então sou um tremendo dum filho da puta

nada difícil que o seja

nada sei

e nem sei se isso sei

não sei a que exatamente atribuo importância

mas vivo dizendo que coisas são importantes

que se eu for lentamente devorado por um leão um tubarão uma sucuri

qualquer desses bichos que devoram gente

isso será terrível

tanto quanto ser enterrado vivo

ou emparedado

viver é um monte de recorrências

25.9.08

694

despejo mais algumas palavras

estas coisas nem sempre bem articuladas nem sempre bonitas quase nunca minhas

uma coisa que vive da loucura vizinha

que me faz indiferente ao próximo e ao vizinho e ao distante e ao inexistente

nada mais havia

então ele morreu

torcendo para que aquilo fosse o fim

fim definitivo

zero

total e completo

adiante de mim vejo minhas mãos buscando não sei quê

buscam

querem viver

agitam-se no vazio

agarradas à vida

qual carrapato

sem nem cogitar se é o melhor ou o pior

noite passada quase sufoquei durante o sono

não sei por quê

a vida um dia acaba

antes acabar que piorar

24.9.08

693

por favor não ponha em minha mão seu destino

já bastam as vidas que estou estragando

que já estraguei

já formei uma razoável idéia de quanta dor posso causar

um mundo

não me sinto melhor por poder tanto

não digo que esperava mais de mim

mas cada um dá o que tem

eis de mim o que há

tão igual para sempre

23.9.08

692

a vida é assim

parece nada

bem provável que seja mesmo nada

e é tão longa tão repleta de momentos

uma espera de uma demora sem fim

não sei por quê

quase sei que não vale a pena

porque na vida não há milagres

e só um milagre para pagar esta vida

montes de suor de sabores cansativos de trabalhos de roubos

cada vez com mais medo

cada vez com mais dúvida

menos vontade

o problema não é só a incerteza

é também a idéia certa de que nada de bom sai daqui

de que daqui só se tira este amargo que me escorre da boca

de que daqui só se tiram pilantras e vagabundos

um monte de neguinho esperto

cada um garantindo o seu a qualquer custo

o nome disso é ética

22.9.08

691

não sei se quero ser um animal bem educado

sou

e não sei se gosto de ser

sei que não sou feliz

e tenho medo de perder esta minha infelicidade

quando nada se tem

o nada adquire valor

ainda que um valor tão vago

o nada adquire substância

pois disso se depende

para não se ter o vazio em que deveras

para não se crer que deveras

tanto faz existirmos ou nada

não somos perdidos

apenas não somos

deixamos a vida para trás em algum ponto anterior ao início

naquele lugar em que nem sabíamos que estávamos

estivemos

não vimos

e se víssemos

não lembraríamos

a memória é um barco esquecido

no meio de um oceano de esquecimento

no qual a única salvação

é esquecer

21.9.08

690

já não posso nem lembrar das coisas

fico parado no meio da mesa no meio da sala no meio do mundo com tudo tão vazio em mim

um fútil saco cheio de rarefação

eis como me sinto

como sinto que nunca deixarei de me sentir

não sei quem me esqueceu aqui

nem sei o que esqueço

só sei que é assim

já de tempo

desde antes de mim

ficar aqui

sentindo este monte de horas

sentindo que tudo ao que parece passa

de bom e de mau

na cama sem dormir ouvindo o relógio andar

os animais que no escuro se movem

tentando não ouvir pensamentos

tentando ser indiferente a si

sabendo que nada existe e que todavia se sofre por causa disso e de todo o resto

mesmo do que não se lembra ou não se conhece

20.9.08

689

como viver com esta sensação por tanto tempo

assim como vivo

talvez seja mera impressão

pensei que vivia

enganei-me todo o tempo

nada em mim há que justifique tal impressão

não passo de uma coisa sem brilho

que simplesmente passa

andando correndo voando

nem sei

quando não se tem brilho

não se brilha nem com toda luz dos universos

onde quer que se esteja

vida comum

coisa tão boba

a passagem dos dias

dinheiro falta mas não morro de fome

nada é o pior nem o melhor

não se morre de fome mas também não se vive

tudo são coisas de que já falei ou já falaram

passado passando passarei

estou olhando bilhões de coisas que não compreendo

o nome disto é vida

e cansa

19.9.08

688

esse humor que não tenho

essa coisa que não sei bem parece que dói

que não sei se é minha

ou se está em mim

ou se sou eu

já é tão difícil ser ignorante

quão pior não será ser sabedor

esgotar-se para saber que não se sabe

para saber que saber não tem importância alguma

esse saber apenas nos conduz ao conflito

é conhecimento adquirido como meio de defesa

e a melhor defesa

todos sabemos

é o ataque

o mais destrutivo sempre vence

e a vida se torna esta luta

insípida

em que sangue é jorrado como adubo da dor

mas a dor é superada

pela ganância

pela compulsão

pelo desejo sem freio

sem causa

sem fim

sem lugar

é uma invasão

um esbulho

cala-nos tudo mais

18.9.08

687

a coisa que mais quero é ganhar muito dinheiro

e ter mais uns anos de vida com boa saúde

para poder ir embora daqui e morar longe desta terra malcheirosa

sair daqui para nunca mais

ócio e silêncio

sem vestígio desse jeitão bundinha de ser

não me sujeitar a abusos de poder econômico político ou físico

esquecer esses governos ridículos e a vergonha que eles me causam com seus atos sem brio algum

esse pilantra que fala como pobre e rouba como rico

e o pilantra empavonado que o precedeu

e todos os pilantras anteriores

sei que isto nunca vai acontecer

mas quero esquecer este país

17.9.08

686

este sabor não me sai da boca

este sabor de nada

que muito embora

sabe amargo

bilioso mesmo

vindo lá do porão

duma só salivada

sabor nenhum

doce tristeza

dessas contemplativas

de quem pode se dar ao luxo de ser triste só por causas abstratas

a tristeza de não ser amado pelo mundo inteiro

a tristeza de ser repositório de nenhum poder

tristezas de quem tem barriga cheia teto sem goteira cama e cobertor

além

claro

do massacrante pavor de perder tudo

de se perder na lama antes de volver ao pó

viver é medo atrás de medo

este animal pegajoso e voraz pegado à nuca

cevando

16.9.08

685

é até desnecessário

mas falamos

se não tão bem

ao menos falamos

parece que falamos para evitar ouvir

para poupar nossa vista

para em nada tocar

fazendo da vida um desvio

objeto nunca usado

talvez por não ser algo bom para uso mesmo

nem sempre nosso instinto está errado afinal

porém o modo como vivo

se é um modo de tergiversar é um modo bem aborrecido

só se a vida de verdade for uma merda completa com todas as letras

sei lá o que digo

sei lá o que vejo

sou este estrangeiro andando cheio de medo dentro de mim

este parasita gordo

que não gosta do que é e morre de pavor de o deixar de ser

que se acha horrível e digno de todo castigo

mas que faz das tripas coração para se preservar e não sentir dor

própria ou alheia

15.9.08

684

já perdi a conta de quantas vezes fiquei deste jeito

parado boquiaberto basbaque

olhando e não compreendendo

como pode a idiotice ser uma chave para o sucesso

mas deu-se um novo significado a tudo

já não se faz grande distinção entre o canalha e o honesto o bom e o mau o preto e o branco

praticamente tudo no mundo pode e deve ser relevado

mediante justa paga

o dinheiro é a música

que canta mais bonito e mais alto

com dinheiro tudo se conserta neste raio de vida

não há deus que possa com o bendito dinheiro

não há quem não compre com dinheiro as chaves da felicidade

roupas jóias carros casas viagens mulheres e seguranças violentos

nada fica longe o bastante da quantia adequada

dinheiro é tudo na vida e quem sabe na morte

14.9.08

683

não há tanto assim que falar

as coisas são simples

bobas

o mundo um dia acaba

sabemos

só não sabemos quando

um dia

sem música alegre nem triste

sem que o mundo pare por isso

o mundo um dia acaba

é cada dia mais certo que será assim

cada dia mais concreto

mais palpável

mais certo que o dia

tudo acaba tudo tem fim

é uma coisa que gira e gira ao meu redor

e a língua articula palavras desconhecidas

que nada revelam

quando compreendidas

certas coisas suplicam pelo esquecimento

pelo ingresso no cinzento deste mundo

a vida passa rápido demais

nem parece passar

quando se vê já se morreu

a vida passa assim

viver ouvindo vendo tocando vozes

não devia

13.9.08

682

cada dia mais

o número de pessoas no mundo só aumenta

assim como a sensação de estar só

de estar sobrando

de não ter relevância

tudo vira passado na vida

até a vida

e enquanto vivemos criamos mil problemas

inclusive obrigações a ser pagas por quem ainda nem nasceu

por quem nem sabemos se nascerá

somos muito bons nessa história de criar certezas infundadas

de viver falando

para não dizer nada

somos mestres nessa arte

aliás somos seus criadores

é nosso patrimônio intelectual

não adianta querer tomá-lo

somos hipócritas baderneiros

um espetáculo tão triste

mas exigimos aplausos

afinal somos fantásticos

inigualáveis

inteiramente únicos

e somos tão chatos

tão desinteressantes

nossa grande peculiaridade é que sabemos ser maus como ninguém mais

12.9.08

681

preciso pensar sempre num modo de falar que não seja muito velho muito desgastado

já que só vou falar de coisas velhas e desgastadas

mas quase sempre falho

quase sempre caio na velha vala

ou sempre

o problema é que sou cheio de ilusões

e um tanto falto de realidade

ainda por cima integro a espécie humana

pronto não sobrou nada de bom

nunca houve nada de bom

afinal que me lembre nunca deixei de ser humano

nada mais

um animal que pensa as coisas sempre em termos de superiores e inferiores

um ser que rejeita a violência enquanto a pratica

que pede igualdade só para pisar no seu próximo

que usa e abusa

em nome de deus

quão belo o espetáculo que montamos

belo e bestial

fico aqui me repetindo

tudo sempre resulta nisto

beleza e bestialidade

e deus pendurado numa parede

11.9.08

680

ainda bem que há coisas e bichos neste mundo

não apenas humanos

ainda bem que há objetos de interesse neste mundo

senão ele seria insuportavelmente cruel

pense bem

se aqui nada houvesse além de nós

que saco

o ser humano e sua conversa de sempre

e seu narcisismo

nossa pensar nisso faz-me ver quão mais horrível poderia ser este mundo

faz-me sentir até um certo alívio

quase uma alegria

mas a praga se alastra

a cada instante nasce um novo bilhão de bestas ou melhor de humanos

e nós aqui

como se a conversa não fosse conosco

olhando a passagem de um vento lerdo entre a folhagem enquanto há folhagem

observando coisas importantes como cobrança de aluguel de saco

deus vez por outra aparece

convoca seus empregados faz uma palestra motivacional e tchau

10.9.08

679

o que há de belo em mim decerto fugiu para algum lugar bem dentro

tanto que nem sei onde

que nem sei se sou eu

o que há de belo em mim não quis se tornar humano

não quis se macular e se render

refugiou-se bem longe

tornou-se talvez inexistente

para não se tornar eu

nem nenhum de vocês

não sei se há terror maior que aquele sentido por aquilo que não sou ao ver a mim e a meus pares

a morte é um prêmio

se a morte é o fim do homem

o homem é uma vergonha

sem possibilidade de retratação

o homem é algo como um fim de mundo

repetido todos os dias

bilhões de vezes

como dizia minha avó

ser humano bom é ser humano morto

9.9.08

678

o louco dentro de mim diz que devo viver como homem de bem

diz que deus existe e que é bom mas ai de quem não o adula

o louco dentro de mim é sensato

pune-me por qualquer bobagem

vive com medo e com raiva

e eu estou cansado

cansado dele deste corpo deste mundo de tudo em que toco

se não cansado agora cansado depois

do gosto ruim da vida

da coisa sem graça que é viver

evitar a dor aliviar a dor pedir que a dor acabe

a minha ou a dos outros

embora eu tenha pouca propensão a pedir para outros

estou cansado de testes e de provações

se é que há algo ou alguém me testando

se não presto não presto ponto final

por gentileza cancelem-me

cansei

eu sei que não sei o que digo

mesmo assim