30.11.07

394

dia quente e meio agitado

para mim já é muito

sinto-me partido em tantos pedaços

um pensa na vida

outro

na morte

outro ainda só fala

não pensa

e um outro repete até a exaustão

dinheiro dinheiro dinheiro

há um louco nesta casa

constato plácido

não sei a quem me refiro

parece louco perigoso

rasga dinheiro e faz xixi plantando bananeira

e de tanto ser muitos ao mesmo tempo

acabou sendo ninguém

que nada faz porque deveras nada pode ser feito

dentro dele há tantos

que até vem a dúvida

sobre se ele é apenas um louco

ou se é todo um hospício

29.11.07

393

há muito estou distante de algo

nem sei de quê

só sei que me faz muita falta

talvez seja eu mesmo

não sei por que me sinto incompleto

talvez mais que metade

talvez mais que o necessário para que isto que presumo ser diga ser eu

vivo sob meu abandono

como sabe ao mundo

e sinto a incompletude em cada gesto

não passo de mim

e nem isso sou por inteiro

a vida nunca tem integridade

28.11.07

392

quantas vezes já não me arrependi de existir de ter uma boca e de abrir esta bendita boca para falar

melhor ser uma pedra

na beira de um lugar qualquer

inalterável e invisível

sem necessidades

um mineral pedaço de silêncio

petreamente

nem palavras nem conflitos nem afetos

criando lodo e musgo além de caramujos na face inferior

assim eu seria feliz

uma pedra só pode ser feliz

pois não conhece nem felicidade nem tristeza

eu gostaria de saber ficar silencioso como uma pedra

até para sempre

27.11.07

391

nunca se está cego bastante que o não se possa ser um pouco mais

não entendo por quê

mas o mal é amplo e acolhedor

nele sempre cabe mais um

enquanto o bem é excludente

estreito

dele sempre vaza gente

sempre despenca um ou outro

logo recolhido pelo mal

em meio a tudo isso está deus

solene estátua imparcial

para ele tanto faz e tanto fez

simples

inalterável

no pedestal

e todos se postam a seu redor

e deus lá por dentro dizendo para si

até quando será que conseguirei ficar aqui deste jeito sem explodir numa gargalhada

minha nossa preciso segurar o riso senão os babacas vão descobrir que só estou a fazê-los de palhaços

26.11.07

390

esqueço de tudo em menos de um minuto

não sou nem metade sei lá do quê

não lembro

não sei nem se deveria

se assumi algum compromisso

acho que o esquecimento tudo justifica

deus me livrará da morte e de sua terrível vingança simplesmente porque esqueci

ponto

exceto pelo fato de que certas coisas não se esquecem

no mais tudo normal

exceto pela razão de que o esquecimento nunca é completo nunca é para sempre

esquecer em grande medida é fingir

a memória é uma farsa

em que pomos o passado que gostaríamos de ter vivido

esquecer está além de nosso tosco domínio

mas não é gesto cego

advém do governo deste poder que não nos é

25.11.07

389

viver como gente

como os animais meus semelhantes

este comportamento

casa carro trabalho

viver dentro da normalidade

não se deve ferir a sensibilidade da horda

que tanto vive a pensar em como ser normal

e a cada instante a normalidade se torna mais estreita

ser normal dá cada vez mais trabalho

é cada vez mais bobo

quem sabe eu já esteja nas bordas do conceito

ou já as tenha transposto

quem sabe o que vai ser de mim

ninguém

quem sabe não diz

melhor mesmo morrer logo

ser uma boca a menos

o mundo está pondo gente pelo ladrão

e a coisa está difícil de segurar

não há normalidade que comporte tantos normais

24.11.07

388

vivo a delirar com vinganças sangrentas

dentro de mim só excessos

um vozerio uma fúria cega uma gana inominável de não sei quê

meu exterior é omisso conformado deixo-me facilmente humilhar

porém imagino-me gigantesco pavoroso

para que todos me temam e eu nunca mais tema ninguém

o melhor que há na vida é ser coisa ruim

coisa ruim repleto de poder

como um empresário abarrotado de dinheiro

23.11.07

387

a calma talvez seja o que mais me assuste

tudo plácido

como se pode não viver em pânico

de que vale andar por aí com uma verdade que só é verdadeira para mim

redunda em desânimo

em anedonia

no fim a realidade que não é real para mais ninguém

torna-se a única

todos andam na rua como se tudo fosse bom e eterno

22.11.07

386

mundo suspeito

em que tudo não é

só para nos afirmar com a máxima veemência a insanidade

que somos malucos soltos prematuramente do manicômio

ao que parece o mundo não faz a menor questão de nosso amor ou de nossa presença

talvez ele só queira que paremos de encher-lhe o saco com nossas especulações idiotas

que escolhamos outra vítima

que sejamos o mal de outro mundo para variar um pouco

que este mundo de males já conhece todos

graças a nós

21.11.07

385

tantas vezes me vejo em dúvida sobre se sou quem penso ser

se as coisas são o que penso serem

talvez eu caminhe num trilho e a realidade em outro

isso parece muito provável

tanto quanto tudo

simplesmente sinto-me à deriva no universo

e qualquer coisa que digam que sou

soa-me aceitável

até as mais ofensivas

de tudo só sei dizer o que sinto

o que vivo não é o que vejo

há uma voz dentro de mim que vive repetindo

isto é o mundo isto é o mundo isto é o mundo

ora meu deus está bem

foi o que eu já disse a esta voz idiota

você já me disse o que é o mundo para você agora deixe-me tirar minha conclusão

mas a voz não me deixa em paz

vive repetindo isto é o mundo isto

e isso me fez suspeitar da verdade de sua declaração que não pode deixar de ser repetida incessantemente

daí começou em mim a suspeita sobre meus olhos

20.11.07

384

não tenho nada na cabeça

mas há o impulso para falar

irresistível

este compromisso assumido com não sei quem

de nunca parar de falar e de definir coisas

como se elas dependessem de mim para ser

como se algo nesta vida fosse criação minha

não sou nem deus nem diabo

não tenho nenhum poder sobre pecadores e pecados

não tenho poder nem mesmo sobre mim

não me conheço nem me faço bem

ajo com não sei qual fim

não sei o que busco

muito menos se o quero

digo-me que gostaria de ter paz

mas sempre que me é dado escolher

entro em conflito

não tenho idéia de por que sou assim

ou tenho

e mesmo assim não saio da ignorância

e mesmo assim não deixo de ser meu próprio túmulo

19.11.07

383

outro dia meio assim

segunda-feira

parece que aterrissei num planeta estranho

outro dia outra mente

a vida é a mesma porém

neste mundo em que todos são tão estranhos quanto eu

outro dia

isto é muito normal

se há um dia

há outro

se existo eu

outros existem

evidente que também não sou o único que estranha os fatos

mas as ruas foram feitas para a normalidade

dia tranqüilo

violências de rotina

tudo como sempre

triste e alegre

uns acham que mais triste

outros que mais alegre

outros dizem que não faz diferença

francamente

acho que estamos todos errados

18.11.07

382

não entendo esta história de sentido da vida

que me importa sabê-lo

seria mais um dado no inferno das metas

sempre com vista no melhor rendimento possível

vícios envelhecimento dores físicas e morais

não preciso de mais nada

já basta estar aqui

se para existir o prazer é necessario que haja dor

melhor não existir

melhor não haver vida

pois vida não havendo morte também não haverá

pior que saber dos males que me fizeram é saber dos males que fiz

para isso não há alívio

somente o desejo profundo desesperado de não ser

deixem-me não viver

por favor

deixem-me sair deste hospício

17.11.07

381

viver dá uma preguiça

nossa nem gosto de imaginar o dia em que eu puder dar vazão a todo este desejo

viver dá um desejo de simplesmente dormir dormir dormir

de viver num mundo sem vícios

onde não se tenha de lutar contra nada

ou em que se lute para ganhar todas as lutas com facilidade

muita facilidade mesmo

viver não deveria ser tão difícil

esta coisa de conviver

como algo pode ser tão desagradável quanto a convivência

todos se usando o tempo todo

e querendo estabelecer seu direito de uso sobre todos

e se não se vive num inferno

vive-se com medo do inferno

o mais horrível dos infernos

todos falando de deus e agindo como diabos

todos vivendo com aquela conhecida cara de quem vive muito bem

cheios de calafrios na nuca

daqueles de horripilar

ai que preguiça

16.11.07

380

sinto-me poético em demasia

a ponto de ficar contemplando abobalhado uma flor e maravilhar-me com minha sensibilidade

em momentos assim eu gostaria de saber como ficar de boca fechada

como também gostaria de ficar quando me assola a raiva

não sei se alguém neste mundo pode ser dono de si

a bem dizer até duvido

é sacanagem mas é verdade

vive-se ao sabor de marés

meros objetos a boiar no universo

de certo mesmo só sinto estes movimentos vagos aparentemente involuntários

talvez eu não seja eu

caralho que metafísica idiota

15.11.07

379

as coisas até que têm andado calmas

o que me faz andar ainda mais lento

o mundo vai passando por mim

tento me manter de lado

porque sei que no centro só se fica para bater ou para levar

só quero chegar ao fim de meus dias sem apanhar muito

já que sou incapaz de viver sem medo

que ao menos ele não passe de um temor infundado

eu devia mudar de hábitos para viver o resto de minha vida

beber muita água

olhar o mundo sem raiva

depois sem medo

depois sem afeto

depois sem amor

até deixar de existir

até não ter mais vínculo algum com nada em universo nenhum

até realmente ser o primeiro a inexistir

até lá

eu gostaria de saber amar a vida com ardor

14.11.07

378

sinto-me em dívida

como se eu me pudesse poupar da morte

como se a morte o pudesse

desde que eu me dobrasse a sua vontade

sempre será cedo

sempre extemporâneo

tudo vai mudar um dia

mas enquanto tudo não muda

vivo a ilusão de que tudo é imutável

de que sou a única coisa imóvel neste universo

um dia terei que liberar a vaga para o próximo

e ninguém me pedirá licença

serei despejado de mim

tão simples

13.11.07

377

para tanto não há palavra

não há o que sentir

nem como olhar

para tantas coisas não há prazer nem dor

o que já é bem difícil de agradar

ficar tão-somente

como perfeito imbecil

olhos postos no nada

e nada

rigorosamente

só aquilo

incessante indagar

e agora

que devo sentir agora

o que se deveria sentir agora por favor alguém me diga

e resposta há

claro

aí dentro de você

mas de igual modo há medo

de que saibam

de que descubram

de que conheçam

de que digam

apontando na rua

é ele é ele é ele

ele o quê

sei lá porra só sei que ele diz ter vida interior

meu deus quem diria

pois é

ei-lo convertido na figura pública que você nunca quis ser

sem dinheiro e sem respeito

apenas notório e risível

12.11.07

376

o dia às vezes parece mais lento que o ponteiro do relógio
de hora
em hora
mediando um século entre cada segundo
e tudo
absolutamente tudo
lentamente
e tudo
absolutamente tudo
que posso fazer
é assistir impassível ao soporífero espetáculo
as coisas vão se repetindo repetindo repetindo
parece que ando em círculo
bem lento
bem lento mesmo
em sentido contrário ao das coisas
revejo-as
como placas na estrada
cujas estacas fossem corpos
que me acenassem ao olhá-los pelo retrovisor
não tenho a quem culpar
então posso culpar qualquer um
eu meus pais o governo
mas a culpa não é tola
ela sabe quando finjo
e sempre providencia uma lembrança mais doída

11.11.07

375

o homem e sua divina missão

de destruir e aterrorizar

o homem e sua fantástica capacidade de adaptação

que lhe permite ir a qualquer lugar e lá ficar até que tudo tenha sido posto abaixo

o homem

esta doença degenerativa

torna qualquer mundo o pior dos mundos

tudo fica sombrio e mórbido

e a deletéria criatura

a dizer que tudo pode resolver

parece que de fato o homem pode resolver tudo

até que se consume o fim do mundo

que o homem não parece admitir sua própria extinção

sem que antes todo o resto seja extinto

em benefício da espécie humana

os dentes humanos só se desencravam da rapadura quando não houver mais rapadura

eis o homem

tal qual o conhecemos

ele se diz divino

age como deus

como o deus que ele conhece

um deus injusto cruel e vingativo

10.11.07

374

estou ouvindo a vida

até em mim existe alguma

sempre há um som a não me deixar esquecer que existe o mundo

que ao meu redor a permanente ameaça

todos morremos de medo

já nem sabemos de quê

acho que é só porque nos sentimos obrigados

ou porque não temos nada mais digno para fazer

sentimos a irrefreável necessidade de nos enchermos de pavor

como se isso movesse nossa imaginação

como se o silêncio fosse o maior dos perigos

vá saber

mas também está difícil demais suportar o falatório desenfreado

tanta justificativa

só para que o medo não me devore

só para que a porta não se abra

e por ela o desconhecido

então sempre se deve fazer bom barulho

sempre alerta

nunca se deve mergulhar totalmente na paz

para que a vida não vire um inferno

9.11.07

373

um dia isto vai terminar

é mais do que claro

um dia

de algum modo

e parece que nem saí do começo

sinto-me basicamente o mesmo de trinta anos atrás

rogando a todos os apavorantes deuses que me livrem da desgraça

qualquer que seja

para mim isso já seria a graça

muito embora eu permaneça prisioneiro desta vida

a natureza me põe próximo do pânico

principalmente a minha

acho que só eu penso que isto é normal

é a minha normalidade ora

por mais desagradável

se não somos um mesmo e só

então ela é como uma solitária intimamente agarrada às paredes de meus nervos

8.11.07

372

amar odiando morrer nascendo olhar não vendo pensar sentindo respirar asfixiando

viver

sempre ter ciência do oposto e de tudo

sempre lembrando que podemos não ser o que pensamos

que podemos ser tudo e que mesmo assim a cada momento somos um só e nada mais

além da existência do presumido contrário sempre a meu lado

contrário somente porque não parece ser eu

contrário somente porque a vida deve ser administrada esquizofrenicamente

a permanentemente obsessiva mente demente ininterruptamente brincando de ser violenta

só por achar que não há nenhuma atividade mais meritória na vida

a permanência neste espaço tão aberto causa-me uma sensação de emparedamento

o ovo a galinha o infinito entre dois pontos

a dependência que tenho desta maldita razão

que me sufoca e me faz respirar

mas nunca deixa a porta aberta

7.11.07

371

às vezes as coisas ficam assim

nem lá nem cá

e isso é o mais próximo da paz a que até hoje pude chegar

às vezes as coisas ficam assim

nem sei bem como

deste jeito que parece meio sei lá o quê

sem cheiro nem sabor

parece que a vida podia ser automática

tudo aconteceria sem pôr nem tirar

ninguém sairia da linha

ninguém dormiria mais que o necessário

não haveria vítimas do inevitável mal de sentir

todas as sensações seriam úteis

parece que é como me sinto hoje

vazio e tranqüilo

sem ligar a mínima

tudo marcha segundo uma vontade qualquer

mais ou menos como não estar aqui estando

não vou me preocupar agora com a fonte desta inebriante apatia

ela é tão melhor que praticamente tudo

deixem-na

quem sabe ela me conduza à nulidade absoluta

6.11.07

370

viver em busca de dinheiro não é um bom modo de viver

salvo quando já se tenha dinheiro mais que bastante

porque aí busca-se mais dinheiro por diletantismo

não se é conduzido a cabresto pelo estômago

vai-se à predação por se querer

e não se vai totalmente desprevenido

na base do faço qualquer coisa por qualquer coisa

como é bom viver sem as aflições das carências elementares

como é bom poder se dedicar ao ócio

para isso que deus nos criou

para vivermos com tempo

pois a vida é muito curta para ser perdida por causa da pressa

tudo passa

então sentemo-nos calmamente a contemplar tudo a passar

tudo passa

e de nada vale agarrar-me ao que é passageiro

tudo passa simplesmente

tudo é um monte de coisas incompreensíveis que nos causam sentimentos e passam

5.11.07

369

esta minha escreveção é algo entre a prosa poética e a poesia prosada

uma porra sem serventia alguma

exceto como desabafo

mas cada linha que escrevo corrobora-me a certeza de que não sou escritor

e toda esta pressa

que a vida é curta

seja alguém e seja rápido

na infância fiz a escolha errada

e até hoje não sei qual seria a certa

4.11.07

368

se me sinto infeliz com minha existência

e se nem por isso tenho coragem de terminá-la

melhor enfiar a viola no saco

não vim ao mundo para formar partidos

não quero congregar potenciais suicidas na defesa deste modo de não querer ser

mesmo triste a vida não deve deixar de ser simples