30.9.09

1064

imaginem viver numa gaiola em que nada fique a mais de dois passos
imaginem mais
imaginem viver emparedados
coração a bater respiração normal sentidos ativos
e todo movimento que podemos
é revirar os olhos
no escuro
no mais só as idéias
ter um dia acreditado em liberdade
e a voz
seja tranqüilo
seja feliz
faça como se nada
mas há coisas andando sobre minha pele
creio que algumas me estejam devorando
não que eu queira reclamar
longe de mim

29.9.09

1063

montes de promessas
esse poder só sorri aos sórdidos
permaneço a me fiar na história que engoli
não sei se é culpa de alguém
mas sinto
sempre há um amigo para me empurrar
patético

28.9.09

1062

nem estou tão triste
apenas o habitual
esta coisa com vida
não que eu não pense em outra coisa
penso em mais uma ou duas
muito parecidas
nem por isso digo que sou louco
só giro em torno de um mesmo ponto
pelo menos sei como estarei amanhã
do mesmo jeito que agora
pode ser uma esperança
é triste mas é sem ferimentos graves nem eventrações
só o cotidiano
dizendo-me não se preocupe
é assim mesmo
ninguém vai morrer ninguém vai viver
é assim mesmo

27.9.09

1061

só estou ficando velho
nada de mais
decrépito
triste sempre fui
mais gordo
umas pelanquinhas a mais
há pouco cochilei diante da televisão
e me veio o pensamento
é assim que se morre
talvez não doa como viver
esta arrastada desabação de dias
sem saída
sem saber
sem sabor

26.9.09

1060

tanto por nada
é como a vida é como o mundo foram feitos
toda uma vida para no fim encontrar a morte
tudo me fala de vitória
só que não me sinto vencedor
dentre minhas vagas lembranças
há a de um temor de infância
um medo horrendo de sair de casa de ir ao mundo
primeiro dia na escola
dentro do transporte me afastando de casa e vendo a expressão de alívio na cara da mãe
e o mundo estranho
sempre cheio de medo
eu não sabia ser mau
e era o que eu mais queria
não sou bom
sou covarde
tudo que fiz foi ficar velho
e aprender a calar a boca de vez em quando

25.9.09

1059

acho que todo tempo é demais
por que tudo não se resolve em segundos
é meio cansativo as coisas deste jeito
anos e anos para o universo cagar uma gota
uma minúscula gotícula
e você ali
com a multidão a torcer-lhe os miolos
há muito que perdi toda noção de valor
como o mundo
oriento-me pelo desespero
e me mantenho sei lá por quê
isto aqui é uma brincadeira
um joguinho de decepar
vão-se os dedos vão-se os braços vão-se os anéis as pulseiras as orelhas as cabeleiras
é assim
deus é grande é forte é duradouro

24.9.09

1058

não sei por que viver tanto e fazer tão pouco
entra-se num lugar não se sabe como
fica-se não se sabe para quê
o que se compra é o contrário do que se vê
paga-se por esperanças
por portas na cara
por dias
muitos dias

23.9.09

1057

belo dia
transborda sol e brisa
não que me agrade
apraz-me bem mais a sombra
mas é bonito um dia iluminado
de ver
de viver nem tanto
prefiro o frio à luz
talvez a morte à vida
não sei
salvo engano nunca morri
como seja não gosto nem um pouco deste tropical esbanjamento de vida
um pouco de calma
ao menos ao meu redor
um pouco mais devagar
não viver deixando pedaços para trás
nem ser o zelador das coisas

22.9.09

1056

como cansa
meu deus como cansa queimar meus tímpanos ouvindo imbecis poderosos dando-me ordens discorrendo sobre sua trajetória de sucesso dando a fabulosa receita de como chegar lá
que bom não ter que trabalhar
não ter que ir à rua diariamente e ver a realidade de minha espécie
monte de animais estúpidos
essa gente
seis milhões de humanos no mundo talvez já fossem mais que bastante
quiçá nenhum

21.9.09

1055

viver esperando
sabendo só esperar
ou não sabendo
esperar não tem pré-requisitos
senta e cala a maldita boca
sentar e aprender a esperar
coisas há que não se aprendem
coisas que vêm e pronto
que vão e deixam rasto
esta cara talvez seja um retrato
nem perplexa nem nada
apenas um pequeno burocrata pra cima e pra baixo
sem saber o que vem em seguida
provavelmente nada
é como tem sido

20.9.09

1054

como desejo que os anúncios de luxo sejam pra mim
ver como se alardeiam as virtudes daquelas coisas caríssimas e saber que falam comigo
como é bom poder
no entanto sou objeto do famigerado consumo popular
e aquela voz de fundo
ficaste de fora
e eu rastejando por uma melhora
deixem-me ser o último
estou disposto a tudo
não vim querendo o que tenho
ou melhor vim querendo bem mais
mas não vim para esperar tanto por algo que nem sei se vem

19.9.09

1053

acordar assim
sem conhecimento
sem consciência
apenas sabendo que este não será o último dos dias
não sei se por medo
sei que tenho medo
não sei quanto
talvez tudo
talvez não tão infeliz assim
não me orgulho
e ainda temo o passado o presente e o futuro

18.9.09

1052

tudo me vem à mente
é o desespero
saber que o que vejo já praticamente não existe
a última visão é assim
os últimos milímetros da lâmina que se nos acomodam no corpo
o aroma sangüíneo vindo de dentro
até que na respiração confundam-se ar e líquido
e uma espessa espuma rosa
e de repente todo som toda imagem todo o cotidiano se torna tão significativo
depois disso não sei mais
só morri até aí
infelizmente a histeria
perdi minha capacidade de observação
deixei tanto de lado

17.9.09

1051

não tenho certeza de nada
mas certezas me são cobradas toda hora
então finjo
como me ensinaram os mais velhos
a chave do sucesso
tão melhor seria nunca ter falado
e me agarrado à recusa de respirar
seriam só alguns segundos
ao invés de quarenta e sei lá mais quantos anos
talvez não muitos
aqui
com esta mente
este viveiro de minhas criaturas

16.9.09

1050

quase sempre quando leio as coisas que escrevi penso
camaradinha prepotente
é o risco de se abrir a boca
de se dizer o que se pensa
e o que não se pensa
quero mais é que
ora quem disse que modéstia traz felicidade
melhor mesmo seria viver de cara pro vento
metendo o peito
não sou assim
o máximo que consigo é não ser um cagão completo
todo dia me pergunto ao menos uma vez se será hoje
mas viver é uma porra duma dádiva
que nunca pode ser menosprezada
sob pena dos mais cruéis castigos
a velha conversa
viver ou é insosso
ou é uma merda

15.9.09

1049

todo dia as mesmas idéias
ou outras
talvez a mesmice seja o esquecimento
ou a cegueira
mas parece que tudo está se repetindo
não sei quantas vezes já
não sei quantas vezes mais
essa história de ciclos
ciclo disso ciclo daquilo ciclo da porra ciclo do caralho ciclo do vá tomar no cu lá na puta do ciclo que pariu
parece haver ciclo para tudo
não encontrei ainda o da felicidade
não nada além desta trevazinha
que agora só me assusta pela perspectiva de nunca me abandonar
já sei que a possibilidade de que dela saia algo de terrível é quase nenhuma
ela só fica aí
vomitando monstrinhos
que espanto a pontapés
para manter paz neste inferno

14.9.09

1048

talvez haja mais de um dia na vida
talvez tudo não seja um mesmo período de vinte e quatro horas repetido em seqüência desde o nascimento até a exaustão
até a morte
cansei de expectativas frustradas
não sei se minhas expectativas eram grandes
não sei se eu era pequeno
tornar um sonho realidade
segundo as regras do real
é uma mentira que dá um trabalho desgraçado
muito mais que tornar o sonho realidade
eu gostaria de tornar a realidade sonho
nunca mais me defrontar com dores obrigações desafios obstáculos
que a vida seja uma seqüência de fatos irrelevantes
se a relevância reside na violência e nos sacrifícios inumanos
não quero ir embora daqui agora
quero viver neste tempo sem as dores deste ou de qualquer outro tempo
e quero morrer quando eu quiser
e ressuscitar quando eu bem entender

13.9.09

1047

por mais que tudo aconteça
nada muda
é isto
esta série de infelizes acasos
este monte de pequenas decepções
nada que mate
só atos de comércio
declarações de tristeza
pequenos desencontros
nada de fato digno de nota
uma morte aqui outra ali
violenciazinhas
mas a vida sempre nos reserva surpresas
tudo sempre aos montes
bateladas de gente odiando a vida
viver tem muito disso
o velho paredão
e eu entrando nele de cabeça
como a mosca na vidraça
a vida é cortante
uma fera a devorar-me de dentro
uma procissão de rostos gélidos do lado de fora

12.9.09

1046

preferiria que as coisas na vida fossem regulares constantes sempre na hora certa
e que acontecessem coisas boas tão boas que me fizessem esquecer todo o mal de que me sinto vítima
que não fosse mais esta longa e trôpega
estou farto de cair e de ter que dar prova de minha capacidade de me levantar para que me permitam que eu me levante
deus como estou cheio de tanta tutela
de tanto conselho sábio
de tanta ameaça bruta
de tanto mistério em torno do que é tão simples
e que todos só fazem complicado para torná-lo inatingível aos demais
como estou cheio
de tanta mentira ex officio
um monte de cegos guiados por cegos que pensam que vêem ou que o fingem só por esperteza

11.9.09

1045

vivo pendurado na vida
em galhos prestes a quebrar
sinto-me prestes a cair sobre mim e me esmagar
não sei sempre há uma desgraça uma perda
a vida é subir tão alto e cair tão rápido
nada nos põe no lugar
o velho ciclo
pensamos ter mudado
pensamos nada nos muda
sempre vendo diferenças
e sentindo-as iguais
não gosto de deus
não gosto do diabo
e não sei como viver sem eles
toda uma vida jogada fora
tudo se esvaindo
tempo dinheiro alegria saúde
e eu no meio da pista
sem saber de que lado fica a calçada
esta doença não me enlouquece não me enfraquece nem me impede de fazer nada
apenas me faz viver

10.9.09

1044

não sei onde anda a tal transcendência
tudo que vejo são coisas e movimentos
coisas animadas
coisas desanimadas
além disso
nada
não há mais o que ver
coisa parada
coisa em movimento
acabou
era tudo que o mundo tinha para me mostrar
no ora veja
esta cara de jumento encarando catedral
a catedral é só mais uma coisa
sem sabor
coisas e movimentos
e só
o mundo é pequeno
mas consigo ser menor
e penso que algo me passa oculto
na verdade deve ser quase tudo
sou humano
não trago a grandeza dos demais seres

9.9.09

1043

não durmo mais
com aquele prazer
com aquela paz
de certo modo
não durmo mais
se bem que eu mesmo pense o contrário
e quem me veja dormindo
dirá que durmo
mas quando desperto
sinto-me insone
como quem precisa de cama
como quem precisa de casa
de se esconder
de dar um tempo do mundo
por uns trezentos anos
ou para sempre
se não me engano
a vida um dia me emocionou
me encheu de expectativas
hoje sou mais um
sempre fui mais um
digno de morrer
mantido vivo por caridade ou por sadismo
certo de que me desprezo
certo de que me desespero
não creio que algum dia voltarei a dormir

8.9.09

1042

lá vem você com a história do poder da mente
todo o poder que eu gostaria de ter em minha mente
seria o de fazer desaparecer para todo sempre esse monte de babacas
que me vêm falar do tal poder da mente
das infinitas possibilidades
por que não enfiam esse otimismo todinho no cu da mãe do pai do filho e do espírito santo
e me deixam em paz com minha tristeza meu caiporismo e minha sombria pessoa
gentinha
cheia de conversa
cheia de intenções
coisa chata
uma coisa de que o mundo não tem mais necessidade
parece
é de gente dessa laia
se ao menos eles calassem as malditas bocas
acho que não quero ser infeliz
ainda preciso descobrir
e seria bem mais fácil sem tanto blablablá

7.9.09

1041

devo ser algo mais que patético
algo triste de se ver
se estou cansado não sei por que não decreto o fim de tudo
posso ir embora daqui quando quiser
presumo
é incrível como sou
qualquer brilho me fascina
e me faz vender o país
sou bem cheio de paradoxos
e bem desinteressante
ai que dia
o tempo passa
ainda que não pareça
quando todo ele tiver passado
provavelmente direi que foi tão rápido
é a sina do homem
viver para fazer comentários imbecis
tempo gasto à toa
quem poupa sempre tem
diga-me com quem andas
que destino
ser continuador da burrice popular
estúpida ironia

6.9.09

1040

beco sem saída
privada entupida
jostra de vida
sempre no mesmo bendito lugar
e deus me corroendo as entranhas
embranquecendo-me o cabelo
ressecando-me a pele
não gosto deste ciclo de morte e vida
ambas me apavoram
e a transição ainda mais
tornamo-nos adeptos desta violência toda
terminamos piores do que começamos
tristes velhos imprestáveis

5.9.09

1039

qualquer coisa que tornasse a vida mais tolerável
esta coisa de se fingir que se faz alguma coisa
por exemplo
parece ser boa para fazer o tempo passar
para que deixemos de notar o tempo
para esquecermos quão chato é aqui
que isto aqui
vou te contar uma história
se não existisse o ser humano
quem sabe desse para tolerar
mas aqui estou
vivendo
é o que tenho para fazer
houvesse algo melhor
eu morreria
não adianta esperar que isto forme sentido
é esta porra mesmo
sem pé nem cabeça
é a vida caralho
mas se a vida é isto
para que todo esse trabalho de inventar a morte
tudo tem dois lados
se não tivesse talvez não formássemos idéias
não sei se seria tão mau

4.9.09

1038

se não sou capaz de buscar o fim diretamente
vou por via transversa
fim basta um
espero
venha como vier
na vida nem tudo é sofrimento
nem precisa
sofrimento basta um
unzinho só
para soterrar tudo

3.9.09

1037

não sei o que fazer
além de saltar na escuridão
no mais olhar em torno e nada ver
tudo tão igual
tão igual que até as diferenças são iguais
tão certo
tão fácil saber o que vem a seguir
que o futuro até parece um passado

2.9.09

1036

tantas vezes quero dormir
encontrar silêncio
dormir
não quero nem saber do dom da vida
quanto tempo se suporta
esta impressão
de que viver sempre traz perda
sempre nos dá pedras
a vida é o elevador cheio
em que vez ou outra se solta um peido
é um salão imenso
com uma pequena goteira
que nunca fica fora do alcance de meu ouvido
um imenso salão
cheio de paredes brancas
completamente brancas
com uma sonora goteira num canto
nutrindo uma cultura de fungo musgo lodo e mofo

1.9.09

1035

prefiro não pensar que posso ser muito melhor do que sou
aliás prefiro mesmo é não pensar
embora não tenha idéia do que seja isso
mas gosto de quando durmo
não sei se então penso
sei que decerto não me entrego ao estúpido ato de refletir
se idéias me passam pela cabeça
apenas passam