31.7.08

638

não sei do que o mundo se compõe

mas vejo coisas vejo seres

acho que isso é o mundo

ou algo parecido

como tenho certeza de que vivo a vida

sem saber por quê

sem saber se é importante saber

apenas suplicando que a fera não me devore

de dentro para fora

que este inferno não exista

que deus vá cuidar as negas dele e me deixe em paz

que algo de bom exista em mim

que além de mim eu seja capaz de ver qualquer coisa

se na vida tudo fosse possível

eu gostaria de não viver só esta vida

eu gostaria de não ser só eu

e de que tudo não fosse tão pequeno

que eu não fosse tão nada diante de tantos desejos

se ao menos saísse de minha vida esta sombra

esta triste medonha

e eu deixasse de não estar em lugar nenhum

e voltasse a estar onde sempre

se é que estive

se eu não soubesse que não sei

30.7.08

637

a vida segue incerta

é uma vida só

nada de mais

uma vida para ser gasta

com prazo

ninguém fica nela para depois

ela sempre acaba

e sabe lá

a vida é uma série de mal-entendidos

por que não seria a morte mais um deles

a constante iminência

o olho de um deus

eu sei lá

um deus qualquer

que importa

todos são imensos e cruéis

seja um ou sejam muitos

ninguém me tira da cabeça que deus é indigno de mim

e distante

e cheio de idéias perversas

um monstro

algo como um monstro

um ser de mil faces sem um pingo de desejo de ser sincero

e nós daqui também fazendo uso de toda falsidade possível só para captar o pobre órfão

29.7.08

636

quero nunca mais ser pego de surpresa pela vida

pelo menos num aspecto não me surpreendo mais

as surpresas nunca são agradáveis

não que sejam desagradáveis ao extremo

são aquela coisa nem barro nem tijolo

como as igrejas

como as mensagens de esperança

como o bem-estar

toda essa coisa

a vida dando voltas em torno de si

e eu aqui tentando lembrar o que aconteceu

sinceramente não preciso de mais exibição e esnobação

eu pensava que viver fosse só viver

eu não morreria

e viveria com o corpo cheio dessas substâncias pelas quais transito todo dia

sem delas ter notícia

endorfinas

dopaminas

serotoninas

deus faça-me feliz

deus só pode rir

a casa estava mofada e toda rachada

mesmo assim topei entrar

e ser dela

hoje em dia a coisa por que mais luto é pelo esquecimento

eterno

28.7.08

635

curioso como a passagem do dia deixa-me esta sensação de cansaço

curioso como o trabalho me esvazia

curioso como

embora tudo isso me cause a impressão de ser curioso

não me desperte curiosidade nenhuma

só uma vaga impressão de algo incomum

aquela coisa que ninguém sabe se é boa ou má

só se sabe ao certo se é

ou não é

e comenta-se

parece a vida

parece o mundo

parece tudo

coisa mais chata

vida mais besta

não sei para quê

todos se perguntam ou se calam

todos chegamos pelos mesmos tropeços à mesma vala

caímos quebrando tudo ou quebrando nada

todos chegamos pelos mesmos tropeços à mesma vala

e todos buscamos fazer um pouco mais de alarde que o despencante que nos precedeu

todos chegamos ao mesmo lugar do mesmo jeito

27.7.08

634

cada vez mais nos empurram contra a parede

contra a consciência que nos faltou quando nossas memórias foram plantadas

contra tudo que somos sem querer

contra tudo

este desabamento permanente da infinita construção

e a voz

sempre

lembranças

o mundo está com defeito

ou sou apenas eu

ou são apenas as coisas

que deixam permanecer aqui monstros como eu

a falta de bondade de meus atos parece que vai enlouquecer-me

parece que o mundo todo se desmancha

e se abre uma imensurável cratera

onde se guardam todas as culpas

não sei se o nome da cratera é deus

talvez seja diabo

foda-se

de qualquer forma

é uma cratera má como deus

só me abre os olhos para o que passou

26.7.08

633

juro que em minha cabeça havia até há pouco palavras até belas

para expressar o amargor que sinto

mas passou

ou melhor

passaram

as palavras

ficou a coisa

a carga o fardo a mala enorme este baú infinito e negro de uma escuridão que cega e deixa a sensação de que tudo passou de que cheguei depois de que só venho para o fim

não há palavra

não há nem eu que valha a pena olhar

estou vivo por acaso

estou vivo por engano

tecnicamente vivo

a prova é que vivo matando

e para matar

só vivo

meu corpo

depois de morto

pode até matar

transmitindo doença ou caindo sobre alguém

mas então será apenas um corpo um objeto inanimado movido pelo acaso ou por uma vontade qualquer

não pela minha

que somente vivo

posso matar

25.7.08

632

a vida é uma dor

uma dor que não sabemos até quando

uma dor cujo fim até tememos

nada dói mais que viver

as dores podem sempre ser maiores

a vida parece um beco

sem saída e sem entrada

só eu aqui

emparedado pelas contingências

cada vez mais baixo

com fé em dor e compaixão quando não preciso de crença alguma

a vida não depende de crença

minha existência não depende de mim

existo por acaso

tudo que sinto é medo

tudo que vejo é deus querendo pisar em mim

24.7.08

631

lá vem deus com as conversas de sempre

pegadas na areia escrever certo por linhas tortas blablablá

deus é uma assombração dentro de minha cabeça

um ser sem rosto

cheio de discursos ocos

repetidos à exaustão por um monte de imbecis como eu

deus é um monstro ou coisa assim

que nos relega ao eterno sofrimento se não formos seus fiéis escravos

ficamos tão preocupados com isso

que nem vemos nossa realidade

independentemente de deus ou de diabo

o fato é que viver é muito difícil

e que poderíamos

se soubéssemos ser bondosos

diminuir o peso da existência

mas preferimos esta lavagem cerebral que tem por tema o tal do deus

parece-nos impossível ver como tudo é simples

e difícil

23.7.08

630

tudo na vida é roubo

apropriação atrás de apropriação

o corpo precisa viver

a alma requer prazer

então que se dane o resto

que se dane o silêncio

ponha-se tudo abaixo

faça-se uso deste medo tão abundante

coloquemo-nos em posição de vantagem

salvemo-nos

para isso basta deixar os outros ns fogueira

deus é só uma brincadeira

uma brincadeira de mau gosto

faz parte do jogo

tudo faz parte do jogo

ele tem regras que não existem

tudo gira em torno de nós até não girar em torno de nós

a vida é muito simples

22.7.08

629

até hoje não sei se vejo com alegria algum dia

a alegria sempre me pareceu uma obrigação nesta vida

o que sempre a encheu de tristeza a meus olhos

a vida nos faz esquecer de nós

o que em si talvez não seja mau

mas esquecemos de nós para buscar as velhas glórias

a tão poucos concedidas

e que se alcançam sem um pingo de alegria

ser alegre talvez seja a arma dos idiotas

então deve ser muito bom ser um autêntico idiota

não como os idiotas ricos da televisão

mas como um idiota verdadeiro

um pobre coitado aos olhos alheios

vivendo à parte

sem maldade nos olhos

talvez um idiota como os ditos animais irracionais

que vivem sem o peso de uma consciência

e sem o vazio da falta dela

21.7.08

628

são muitos dias para quem tem tão pouco tempo

a espera

do que nem se sabe se virá

ou o que é

alguns se socorrem na fé

que é um nome diferente dado à ignorância

mediante a troca de embalagem ela se tornou sublime

há quem se proteja nas barricadas da razão

a mais hipócrita das fés

pode ser que ainda haja alguém sem malícia

mas salvo esse caso

os demais somos todos imbecis chapados

e maldosos

só não somos piores porque nossa burrice é colossal

talvez haja exceções

mas para a imensa maioria de nós

a parvoíce já seria um senhor progresso

20.7.08

627

não sei por que viver prisioneiro

junto com todos estes prisioneiros

cada um cuidando para que as grades da prisão permaneçam justas e firmes

ao menos houvesse silêncio

ao menos não houvesse estas moscas ao meu redor

não fosse tudo tão firme sólido pegajoso

este lugar é tão concreto

tudo tão certo

e num destino tão traçado de tanto tempo

não adianta chorar nem rir

há dor e prazer

vive-se até morrer

disso todos são capazes

isso todos fazemos

os que nascemos

quase sempre buscando subterfúgios para não falar de ódio nem de amor

mecanicamente sentimos

19.7.08

626

a vida vai

caímos levantamos rolamos

nesta espécie de navio negreiro

povo de deus

a indiferente máquina de graças e desgraças

a paz que nunca

o amor que nem morrendo

grande glória

somos animais medrosos matando e copulando sem parar

já que não podemos acabar com o medo

nosso senhor

já que não podemos deixar de ser

18.7.08

625

acordar sob a esmagadora ameaça de doenças agressões maledicências

além dos acasos da natureza claro

tudo perdido

tudo passado tudo presente

que importa

simplesmente estou antes ou depois

em tudo aquele sabor

de eternidade

de coisas que não vão nem vêm

tudo acontece ao largo

mesmo quando comigo

sempre voltado para o lado errado

andando na classe econômica desta nave lerda

que nunca

nem sei se partiu

aqui parado

com este lirismo

mais que amargo

chocho

sugando toda vida de tudo

criando coisas de tom cinza

criando tom cinza em coisas

não se trata de estilo

nem de vida nem de morte

é mais como ser uma doença e ficar doente de si próprio

talvez nem seja um inferno

17.7.08

624

deus de nós não espera menos que perfeição

e nós de deus que ele pare de nos fazer pagar por seus erros

pois se erramos

somos erros de deus

nada criamos

vivemos cegos sob o obscurantismo do pai

e eu ao menos estou farto de agregar a minhas culpas o peso dos descaminhos do mundo

não quero lutar por nada

mas dói ao extremo viver para ver o fim de coisas tão belas

não sei por quê

só sei que deus nos abandona

e precisamos ficar aqui

indigentes

suplicando sua misericórdia

aí é sadismo demais

não tem cabimento ainda por cima viver com o peso da responsabilidade pelos desencontros desta vida

toma deus

fica aí com sua criança feia

a mim já me bastam os terrores egocêntricos de viver e morrer

não quero responder pela destruição de tudo

16.7.08

623

vive-se a vida assim

de desinteresse em desinteresse

até que um dia

ó meu deus

horror horror horror

a morte

como se fôssemos perder algo

como se algo tornasse esta existência tão especial

talvez sim

mas a maioria de nós não passa disto

deste amontoado de animais tolos e daninhos a repetir um discurso batido de superioridade da espécie

levando esta vida

anônima

inexpressiva

cheia de fatos dignos de uma lata de lixo

e com um ou outro acontecimento precioso

esquecido por engano

vida que já começa voltada para o fim

não me lembro de já ter morrido

mas tenho bem fundo a certeza

de que morrerei

com uma devastadora sensação de desperdício

15.7.08

622

se a cada novo dia eu fosse outro e não mais lembrasse do que fui

a vida então não seria esta brincadeira de sofrer

a cada despertar eu me sentiria como se acabasse de chegar

cada dia ser de novo um otário para os espertos depenarem

foda-se

desde que não aparecesse nenhum sábio imbecil para me esclarecer

por isso não quero ser pai

não quero treinar mais uma fera

não uma fera honesta e autêntica como as feras selvagens da natureza

mas uma fera má traiçoeira racional egocêntrica

uma fera civilizada

que crê no bem e só pratica o mal

para a qual olhamos cheios de orgulho e dizemos

meu filho

ao menos disso

não sei por quê

deus me livrou

14.7.08

621

a vida acabou antes de eu nascer

faz tanto

nem lembro

talvez porque então eu soubesse o verdadeiro valor de uma memória

porra nenhuma

por que fomos abandonados

que importa saber por quê

de qualquer modo nosso sangue pinga pelos cantos da casa

caímos aqui ou ali

a caminho do esquecimento

a passo certo ou errado

sempre para o abismo

acordar com esta tristeza esta coisa perfurante incinerante bestificante devastante colossalmente imensa

esta chaga

mas é tudo mentira

decerto tudo mentira

deixei-me delirar

não há prazer algum em ser reto e honesto

bom mesmo é dinheiro e ócio

muito

daí sim talvez às vezes até se tenha uma vontadezinha de trabalhar

só pra quebrar o gelo

13.7.08

620

tantos bilhões de erros

parece que o criador não se cansa de errar

também parece que ele não paga por seus erros

ele se nomeou encarregado das besteiras e das maravilhas

o resto é o resto

quem puder que se esquive

quem souber que aproveite

vive-se assim

que as escolhas são entre os tipos de desgraça

vergonha do passado medo do futuro pânico do presente

que deus é esse

que coisa sou eu

um que não permanece indiferente diante deste espetáculo chato

quase sempre chato

mais que monótono

umas poucas vezes belo

outras tantas apavorante

ao extremo

12.7.08

619

que bom se eu tivesse alguma finalidade

se eu não fosse mera parte da mobília

se eu me sentisse com alguma finalidade

além de servir de repasto aos vermes

permanecendo nesta espécie de sala de espera

sabe deus até quando

sabendo apenas que é transitório isto

mas até quando

como preencher o tempo nesta masmorra

quer dizer nesta vida

sabe-se que o tempo passa

mas não se sente

só se percebe quando vemos o que éramos ontem e sabemos que aquela lembrança é outra pessoa

isso assusta

nada mais

continuamos sem finalidade

a coisa mais importante da vida não tem importância alguma

nunca se muda a ordem das coisas

nunca se pode estar fora dela quando se é mais uma peça da mobília

só se pode esperar

11.7.08

618

como culpar quem nunca conheceu o amor por não amar

por ser dotado de todos os atributos capazes de despertar todos os desejos

e entretanto não saber o que é a loucura de desejar

e brincar com a loucura alheia

por simples prazer

ou por podre interesse

depois vêm me dizer que a criação é perfeita

que nela tudo se compensa

e resulta na igualdade dos atos de natureza contrária

bela bosta

se caso a caso o que se vê é desequilíbrio

se o único valor certo na vida é o monetário

como culpar quem não conhece o amor por não amar

se há dinheiro por aí

pronto para ser colhido

como acusar a torpeza de alguém

se lisura e bondade não compensam

se não é de nossa natureza fazer o bem e pensar além de nós

o que se deve corrigir é o engano que cometemos

ao crer que por sermos filhos de deus

somos bons

10.7.08

617

mais uma manhã

de volta ao eterno obstáculo

do sonho para cá foi tão rápido

tão contra mim

eis-me

novamente ficarei parado aqui o dia inteiro

pouco se me dá se isto é deus ou outra merda qualquer

é um puta dum saco

estou cansado de ser mais um brinquedo na mão do imbecil que move as peças deste mundo

9.7.08

616

que dia

sem sol nem frescor

dia de comemorar

sabe-se lá o quê

talvez uma esperança

viver este dia

vê-lo morrer

como ele é quente

como ele é cinza

ar imóvel

não entra nem sai do pulmão

uma coisa velha e desconhecida

que nos conhece

e sabe manter tudo

na medida exata

para nunca deixarmos de ser o que somos

tudo nesta vida

tudo

caminho sem fim nem começo

nem descanso

nem passo

suportar a repetição infinita deste fato já nem sei se me cansa

ele vem e não vai

repetidamente

e quanto mais o acho insuportável

mais o suporto

mais espero a hora