31.8.09

1034

detesto quando começo a pensar que sou alguma coisa
é o começo da queda
a ante-sala do abismo
o prenúncio infalível
lá vem outra série de dores
dias de nenhum amor-próprio
como detesto pensar que sou alguma coisa que posso fazer algo que cheguei a ser alguém
não há meio mais eficaz de sentir na pele o horrível contraste entre dor e prazer
a insolúvel sensação de perda
de que joguei fora a oportunidade antes mesmo de ela acontecer
antes mesmo de ela terminar
não sei que força me mantém aqui
do modo que sou
só sei que não gosto dela
estou cansado de mim
mas parece que prefiro uma chatice certa
a qualquer incerteza
basta

30.8.09

1033

não sei se uma hora isto acabará
que bom viver nos sonhos
sem conseqüências nem expectativas
apenas uma existência
que não sabe até quando
nem pensa em saber
que não dá valor algum ao aprendizado
porque sabe
não precisa aprender
não pensa se perde ou se ganha
não se mutila
nem deseja
como quero viver no sonho
parece que lá eu me diluo
e penetro tudo em redor
não sou esta ilha
rodeada de estranhamento
este amontoado de desejos e frustrações
uma luta cheia de medos e ocultações
como é mau isto
chato
assustador
repetitivo
enfadonho

29.8.09

1032

calor umidade e eleição
o prato completo
ninguém poderia pedir mais
amor pela vida é algo que só no desespero se finge
por isso não direi que com calor umidade e eleição fica difícil amar a vida
mas que com calor umidade e eleição tudo fica pior
não tenho a menor curiosidade de saber qual imbecil vai me humilhar e rir da minha cara pelos próximos quatro anos
cu de mundo

28.8.09

1031

tudo que é sem graça é lícito
desde que maléfico
desde que contribua para tirar da vida todo sabor
desde que deixe uma ânsia sempre maior de tristemente
e esse deus
essa mercadoria
esses fiéis que salvam até o que não precisa ser salvo
esse estado que só existe para humilhar e espoliar
se a vida é uma piada
não sei para quem

27.8.09

1030

assistir à passagem das coisas
tudo esquecer
porém permanecendo a sensação
sentir como no dia seguinte ao sepultamento
não sei de quem
de alguém a cujo funeral eu deva ir
cuja morte me vá doer
cuja vida me fará falta
como é ruim saber que ainda há vida
como é ruim saber que ainda há deus

26.8.09

1029

este é daqueles dias em que fico perguntando às paredes
as coisas parecem estar funcionando bem
então dentro de mim brota a questão
até quando
um dia adquiri a tal da consciência do bem e do mal
e o mal tornou-se meu suplício em tempo integral
até quando meu prazer
não sei mais ver nada sem atinar para o mal que reside atrás de tudo
não vejo a vida
só a morte
um dia
sem sequer ter vivido
o rolo compressor
a consciência é paralisia
não quero morrer
não quero viver
este modo de ser ou não ser
de dentro de tudo parece aflorar um prenúncio da tristeza
mas cansei de procurar ficar a uns passinhos de distância
à custa de tanto esforço
foda-se
devore-me

25.8.09

1028

prossegue o cansativo exercício de viver
prossegue o exercício
e sempre há um chato pronto para explicar tudo
não quero mais nenhum conhecimento
até hoje só me convenci do contrário
de que o mundo é chato triste e sem explicação
também não sei que importância há numa explicação
tanto já me foi explicado
uma parte do que me explicaram
uma parte mínima
eu até compreendi
e a compreensão não me deu um pingo de tranqüilidade
o que quero talvez nem exista
é algo que não conheço e que nem sei se alguém conhece
as coisas difíceis podem até ser boas
mas a dificuldade
enquanto não se torna terrível
é extremamente chata

24.8.09

1027

se sou infinito
não o sinto
se a morte deste que ocupa este corpo
ou melhor
se a morte deste corpo que é parte deste ser
não é a morte de tudo que neste ser há
e se a morte desta parte que não morre com o corpo nunca vem
sei lá se isso é bom ou mau
ser infinitamente escravo
infinitamente nesta condição imbecil de inepto aprendiz
tudo que aprendi até agora é que dar cabeçada dói
e isso aprendi mais que bastante
e mesmo assim não sei como evitar novas cabeçadas
sei que sou incapaz
sei
mais do que sei que sou mais que inepto
e sei que esperança é uma droga
habitua sem nunca satisfazer
e deus
deus ou é um canalha ou é uma piada

23.8.09

1026

o tempo sempre passa
empurrando-nos
até jogar-nos fora
e deixar-nos
com nossa beócia perplexidade
condenados a meio saber
tudo que sinto
é o desespero de não sentir
de viver fundado na infundada convicção de que deveria
mas aqui dentro há só desgoverno
a velha vida
sempre longe

22.8.09

1025

tenho medo do fim
morro de tédio com a continuidade
não sei por que sou assim
nem faço questão de saber
só queria que isto acabasse
sem dor
nunca mais sentir dor ou vazio
nunca mais ser condenado à parede branca
que por todos os lados
de toda maneira
pacificamente esquecer-me
algo como dormir
pacificamente
não ser mais um desses cheios de ódio
nem com eles conviver
não precisar me esconder nem me expor
jogar este monte de prevenções no lixo
dormir sem trancar portas
não ter mais ganância
em mim ou ao meu redor
sem pressa
sem exigüidade de meios
e sem paredes
de ignorância empreendedora
sem sabedorias
de fazedores de dinheiro

21.8.09

1024

equilibrar-me nesta pinguela podre
parece bom
este medo paralisante
esta atmosfera de permanente ameaça
de que vale não conhecer a felicidade
sempre à deriva
sempre ao acaso
sempre a menor de todas as coisas
sempre a voz que não é ouvida
até que vem aquele momento crucial
em que se comete a maior a mais estupenda a mais fantástica a mais irreversível de todas as besteiras possíveis e impossíveis
quem sabe o que sou
quem sabe se há uma paz a ser encontrada
se há uma necessária alternância entre a paz e este inferno
quero inexistir
não dá para brincar deste jeito
é muito ruim
não sei que bosta é real e que merda é virtual
já perdeu a graça esta busca de paz
só quero que tudo acabe

20.8.09

1023

não sei por que discutir
falar é como soltar peidos
melhor dizendo
falar tem menos importância que um pum
existir é menos importante que tudo
existir é menos gostoso que tudo
existir sem dinheiro
existir sem voz
existir sem mulher
existir e ser totalmente desinteressante sem sabor sem relevo sem prazer sem paz sem alegria
ainda que passageiro
ainda que um simulacro de eternidade
que ao menos houvesse algo de interessante que não me cobrasse esforços sangrentos
como quero ver o fim de tudo
vivo ou morto
gostaria apenas de um pouco de esquecimento
de um pouco de surdez e de ignorância

19.8.09

1022

viver como um morto
nada consumir
só ser consumido
num perecer aparentemente calmo
não sei se é verdade
mas também não sei o que é verdade
conhecimento que aliás deve ser de bem pouca relevância
ninguém fica rico por causa da verdade
nem feliz
nem triste
o que me faz feliz ou triste é a satisfação de meus desejos
e aí vem aquela velha história
se há prazer e dor
e a dor é apavorante
quem há de pensar no prazer
viver é este eterno encurralamento
na mão da força
sei lá que merda de força
talvez muito talvez a força de minha própria covardia
minha jaula tem esta cara que já conheço
aprendi a viver humilhado
e a ainda crer em dignidade

18.8.09

1021

como esperar com calma
em meio a isto
vivendo na beira
maravilha
tome uma droga prescrita e esqueça
seja uma bosta e esqueça
por que não
continuo aqui
ao menos parte de mim
o resto nem sei se existe
o resto talvez preste menos ainda que isto
quão estreito baixo e curto aqui
ao menos não estranharei tanto a urna
tenha uma coisa como certa
acredito em tudo
em deus no diabo no governo em vida após a morte nas boas intenções dos empresários
em tudo em qualquer coisa mesmo
saci-pererê mula sem cabeça papai noel coelhinho da páscoa cegonha e curupira
acredito em tudo
menos em liberdade
menos em paz
menos em felicidade para sempre ou para agora

17.8.09

1020

como sempre aos trancos
indo como dá
fazendo-me de cego para o cansaço
aqui onde de modo geral o que acontece é nada
apenas estas contrariedadezinhas
aqueles tropecinhos
nada que nos jogue no chão
só ligeiras colisões
bastantes para nos tirar de nós
não sei por que não me movo
tudo que alcanço é complicado e chato

16.8.09

1019

sinto-me num lago
uma grande quantidade de líquido represado
não sei em que flutuo
mas a coisa invade-me os poros
tira-me o ar
evito que o líquido me chegue à boca
mesmo assim já o bebi tanto
flutuo sem esperança

15.8.09

1018

vivo no mundo dos espertos
logo eu
um trouxa sem igual
nunca deixarei de ser assim
viver é assim
aqui
parado
vendo tudo ficar distante
eu queria um mundo com ética
quase consigo ser ético em minha conduta
mas vejo que o sucesso só vem para quem faz questão de não ter ética nenhuma
para mim
perder pouco já é uma vitória
talvez isto seja infinito
não sei
quem disse que tudo é obrigado a ter fim
francamente não tenho a tranqüilidade dessa certeza
já houve em mim essa impressão de que tudo acabaria
agora porém há dúvida
e medo
não sei se o que ainda não vi terminar um dia acabará

14.8.09

1017

repetir erros
eis outro talento em que sou imbatível
basta dizer não farei isso novamente
para já ter voltado a fazer a merda antes mesmo de terminar a frase
eu sou demais
eu que o diga
é aquela história
não sou o que penso ser
uma unidade interior em correspondência à exterior
porra nenhuma
dentro de mim parece haver uma comunidade
que não convive muito pacificamente
parece que há uma disputa permanente e desleal pelo comando deste corpo
uma disputa que não percebo senão quando sou traído por mim
é assustador
é muito assustador viver assim
muito assustador porém só de vez em quando
no geral é só este marasmo esta letargia este enfado

13.8.09

1016

viver é um exercício sem substância
que só me ensina o que não quero
viver
talvez quando se possam nutrir ilusões
talvez quando se alcancem as coisas desejadas
talvez então
mas não se trata de mim

12.8.09

1015

hoje é fora de moda dizer que alguém morreu como um passarinho
prova de que nem tudo muda para pior
mesmo quando era moda porém
duvido que alguém pudesse dizer isso de mim
nada em mim é passeriforme
também espero que ninguém nunca diga que morri como uma anta
perdoem-me as antas
mas devo reconhecer que tenho muito delas
embora elas certamente ganhem de mim nas virtudes
não gostaria que dissessem morreu como uma anta porque isso é ofensivo
e ainda sou imbecil bastante para desejar ser estimado por meu semelhante
azar meu
que devo conviver vinte e quatro horas por dia todo dia
comigo
quiçá mesmo além túmulo

11.8.09

1014

não sei muito bem o quê
algo porém não está totalmente de acordo
está fora do lugar ou apenas não está
não sei como era para ser
curioso irônico e creio que cruel
tanta coisa
e não é nada
só um troço preso aqui na garganta
ou sua falta
deixa-me triste
nem sei bem por quê
talvez não seja eu talvez não seja a coisa talvez não seja nem mesmo a falta da coisa
é a vida
esta minha natureza de mané
esta minha vocação para a opacidade
acho que é só isso
não há por que supor demais
as coisas são simples
tanto as desgraças quanto as graças

10.8.09

1013

não sou como as coisas
as coisas são melhores
coisas bem conservadas ficam velhas e lindas
adquirem uma virtual eternidade
enquanto nós
que coisa
de pré-cadáver a cadáver
de nada com dor a nada com mais dor

9.8.09

1012

agora é moda
falar que tudo está mal
eis uma moda que nunca sai de moda
as vozes conscientes
conscientes não sei de quê
mas enfim
como se fala neste mundo
caralho

8.8.09

1011

que tédio viver
anos infindos de apatia
para viver anos infindos basta viver um segundo
quase sempre a apatia
um pouco caso
fruto de medo de raiva de tristeza
longamente
chega um momento em que de tanto engolir já nem precisamos mais sentir
já ficamos cheios abarrotados
e tudo isto tantas e tantas vezes guardado torna-se uma espécie de âmago
dá vontade de jogar tudo fora
mas não quero me pôr no lixo
embora mereça

7.8.09

1010

às vezes as coisas
param
às vezes elas nunca mais deixam de ficar paradas
cessam
tão simples
que cessem
pronto
só não quero lembrar

6.8.09

1009

o segredo da infelicidade
é sempre arranjar um jeito novo de ser infeliz
seria bem melhor aceitar logo de uma vez que assim é assim
felicidade não vem absolutamente ao caso

5.8.09

1008

novamente um dia
outro
não podia ser diferente
eu gostaria que dependesse de mim tornar a vida interessante

4.8.09

1007

medo da rua
medo de mim
não sei do que não tenho
a vida é tão cheia de coisas estranhas
não conheço o que não o seja
a vida
tudo
eu
sempre cheio de propósitos
não basta ser cego
ainda tenho que ver a miragem errada
de meu modesto e vitimoso ponto de vista
tudo está tão longe
a sensação de estar perto é só um erro de percepção
não creio que algo tenha acabado
as promissórias estão todas por aí
de mão em mão pela praça
questão de tempo

3.8.09

1006

ter uma vida
assim como esta
ficar aqui
parado na avenida
sabendo
ainda que do fundo de toda a ignorância
não há como ignorar isto
a própria ignorância
o dia todo aqui
como se em mim houvesse milhões de milhões de comandos
cada um dado por uma determinada tecla
e eu precisasse apertar cada uma dessas teclas
para descobrir
que apenas eu não descobrira
ainda que o espelho gritasse
em tantos casos é tão bom ser surdo a vida inteira
esta coisa chamada memória
que só funciona para conduzir-nos
para bem baixo
descer nunca é demais
parece ser a regra
não vou morrer porque não estou vivendo
vai ver nasci só pela metade

2.8.09

1005

ao que parece há quem goste de viver com cabresto
talvez sejam felizes
ao menos o cabresto não os contraria
não sei quem criou o conflito
mas sem sombra de dúvida
sou usuário do produto
devíamos criar um dia para celebrar
isso que nos preenche todos os dias
difícil viver sem uma boa briga
uns sopapinhos
um gostoso xingamento
como é bela a vida
mutilar e esquartejar
choro e ranger de dentes
de que outro modo viver
viver é assim
ou o ódio ou o tédio
ou a vida ou a morte
é bem sem escolha
é querer ou querer
e mesmo não querendo
querer é o de menos
fizemo-nos nulos
ou nos fizeram
não sei se existo
sei que sinto

1.8.09

1004

e agora vim parar aqui
um lugar como todos
estranho
nem cheira
nem fede
e não é eu
mais uma vez
só estou preparado para um lado da moeda
se é que estou
tudo dói mais que o esperado
não sei ser
creio que isto seja horrível
talvez até seja o que penso
como seja
tudo continua assim
muito chato
meio triste
mesmo depois que passa
parece que nunca
sou a casa e vivo trancado no porão da casa
quiçá