24.2.07

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se eu pelo menos não tivesse o hábito de falar

e de ditar modelos

e de fazer projeções

no entanto

se sou fruto de todo este gasto de energia mental

meu talento não é a gerência de mim

não movo nuvens

mal movo meu corpo

se todo este tempo infinito que passo a antever-me foi de alguma valia

ele o foi para mostrar que nada vejo

que sou prisioneiro do vazio

absolutamente livre de qualquer impulso

entre ver e fazer há alguma coisa que não tenho

se tenho é como se não tivesse

só sei que o que realizo

é sempre uma aberração de meus desejos

estou sob um sol que queima

fugindo de morrer

chamo isso de viver

não quero torrar sob os raios desse astro de quinta grandeza

não quero morrer torrado

ou pior

viver torrado

viver não dá prazer

esta permanente maquinação de planos de fuga

a diária descoberta de que só perdi tempo

de que o máximo de que fui capaz foi de criar um personagem assim assim para enganar a gentalha