28.4.08

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quarenta e cinco anos é muito tempo

para nada acontecer

para voltar sempre à mesma vala sempre com a mesma cara

cada dia mais velha

não vim ao mundo para fazer o que faço

ou vim

sei lá

mas não queria fazer o que faço

que na verdade nem sei o que é

um monte de gestos abortados

montes de voltas sem ida

paradoxo mais besta

mas isto é a vida

ou o único ponto de vista que a respeito dela alcancei

do ponto de vista do carcereiro a prisão pode até ser divertida

que mais dizer

que estou cansado

que sofro

que tenho esta nojenta e irritante transpiração abundante

tudo verdade

só que para muitos tudo é muito mais verdade que para mim

salvo a transpiração

essa gente que se espreme nesses ônibus

e este desejo imensurável

de ver tudo convertido numa desgraça só

cumpriu-se